Monday, December 10, 2007

HISTÓRIA da arte DA CARICATURA de imprensa EM PORTUGAL (parte 6)

Por: Osvaldo Macedo de Sousa
O Realismo
Não foi pacífica esta introdução do realismo, como o testemunha A. Ennes em 1872, na revista “Artes e Letras” (pág. 145/6): «Os Abusos do Realismo - Não seu palavra mais prodigalisada e menos definida do que o realismo. Devendo designar uma theoria de esthética, que abolisse o dogmatismo clássico e o subjectivismo romantico, caiu das espheras luminosas e serenas da arte nos armazens da moda, onde o esfarrapou a ignorância, onde a pobreza de engenho o amoldou ao seu corpo, onde o prurido de excentricidade lhe deu relevo, as formas e as proporções de escandalo artístico. Se o não desprendermos dos abusos, que d’elle teem feito a desordem e a presumpção dos espíritos, morrerá sua victima.»
«O que banalmente começou a inculcar-se como realismo na plástica, foi a cópia servil, plana, machanica das formas naturaes, e a carencia, na arte, do seu elemento subjectivo: a idéa. /…/ Perdoem-nos os nossos artistas a liberdade d’estas reflexões, que só censuram um momentaneo descaminho de alguns, que todos vão corrigindo. As copias da natureza inanimada eram proveitosas como estudos de desenho e de côr: não podiam, todavia, ser acceitas como applicação cabal de uma theoria artística.»
«/…/ Assim como se havia imposto ás faculdades artísticas a missão orgulhosa de corrigir e aformosear a natureza, e se reputará indignas de contemplação e reproducção as realidades, que se não ajustavam aos moldes convencionaes do bello; assim a reacção contra esta falsa esthetica, desvairando-se nas horas de combater, chegou a inculcar á arte como seu exclusivo objecto os aspectos da natureza que ella até então degradara, rehabilitou e consagrou o feio, o vil e o grotesco, e alcunhou de realistas as expressões de uma concepção mysanthropica do mundo physico e do mundo moral.»
«Esta curiosa aberração observa-se na literatura como na plástica, e seria facil determinar-lhe as relações proximas com os movimentos sociaes do nosso tempo. A satyra mordaz e descrita, substituindo o idýlio e a ode perennes, apagou a lus do ceo e a virtude na alma. Esfolharam-se as arvores; enxurdaram-se as águas; o esqueleto granítico da terra rompeu o humus verdejante; empardeceu o annil dos horisontes; os campos, d’antes inevitávelmente esmaltados de flores, vestiram-se de tojos; degradaram-se as formas e desmaiaram as Côres. E a arte converteu-se em caricatura da natureza, porque nada mais é a caricatura do que essa selecção e exageração, n’um todo, das suas formas e das suas phases grotescas ou feias, que constitue a essência do realismo satanisado.»
«/…/ E os pseudos-realistas, que mais aceram vistas de philosophos para devessar os reconditos do mundo moral, assimilham-se, obcecados pelo preconceito de escola, a esse maniaco celebre que repellia uma esposa bellissima, poraue só lhe via no corpo a nudez do esqueleto por baixo das formas redondas e macias; o tecido sangrento dos musculos, a rede das veias e os filamentos nervosos por baixo da cutis rosada e sedosa.»
«Ora, nem na literatura nem nas artes plásticas, uma theoria de esthética, que se define pelos caracteres que elementarm,ente esbocei, pode ser presada como phenomeno mais grave e duradoiro, que, quando muito, poderemos corresponder a um estudo social transitório e decadente. O espirito humano passa quasi sempre pelo absurdo, mas sem presistir n’elle, para chegar á verdade; e todas as revoluções, emquanto pelejam, exageram, até os desvirtuar, os principios que vem a estabelecer definitivamente. Assim como o socialismo, militante e no estado de formação incompleta, accende as communas de Paris, a arte forcejando por acabar de partir o auctoritarismo classico e por normalisar a liberdade romantica, luta, e no tumulto da luta extravia-se, resvalla oara o satanismo, e abraça-se a quantos paradoxos lhe podem servir, não de leis, que não as procura ainda, as de armas de guerra. /…/»
Na realidade a caricatura é uma arma, uma reacção estética e jornalístico ás questões sociais e políticas da época, que deriva do pensamento realista, mas que não é tão satânica como defende este teórico escandalizado. Como contraponto apresento um texto publicado no vol. XXV de o “Ocidente” (pág. 310), onde falando de Columbano nos diz que «na verdade a estupenda fôrça do Realismo, uma espécie de duro idealismo apoiado na amor á verdade e aos sentimentos humanos, um menos literário, mas mais lógico, romantismo que derrubou o Romantismo dos princípios de escola e afastou da pintura quantos Cânones convencionaes do Academismo, reformou a Arte em toda a Europa. /…/»
É nesta ambiência de implementação do Realismo, e na procura do domínio técnico das artes da gravura que se desenvolverá o desenho satírico. E nessa evolução técnica está, como já referimos, a mão de Manuel Maria Bordallo Pinheiro, como testemunha o novo mestre do desenho satírico desta década de cinquenta, Nogueira da Silva (“A Gravura em Madeira em Portugal - I” in “Panorama” nº 7 pág. 50 de 1866): «A gravura em madeira nasceu entre nós com o Panorama, e foi seu primeiro cultor Bordallo Pinheiro, artista bem conhecido pelas suas obras de esculptura e génio emprehendedor.»
«/…/ Sem mestre, nem livros da especialidade, porque não o havia então; tendo de advinhar o systema e os meios praticos pelo que, apenas, a sua intelligencia podia ler na simples observação das gravuras estrangeiras, Bordalo fez mais do que seria rasoável exigir. As suas tentativas, postoque extremamente longe das estampas do Magasin Pitoresque, sobre cujo molde se publicava o Panorama, não parecem os prelúdios de uma arte que, na presença de tão adversas circunstâncias, pôde-se dizer, apparecia entre nós, como se não existisse em parte alguma.»
«É que, á semelhança de Alberto Durer, Bordalo Pinheiro, voando nas azas do seu engenho, rompia por si só o veu que em Portugal occultava, nas trevas de uma completa ignorância, os segredos do mais difficil genero de gravura.»
«Mas este triumpho, sufficiente para glorificar o nome de um homem n’um paíz em que se soubesse o que era arte, e quaes as suas influencias nos progressos physicos, moraes e religiosos das sociedades, não bastou ao artista, que pretendia alcançar as gravuras estrangeiras no avanço em que já iam então.»
«Vendo, pela experiência, que do estudo de desenho especial dependia o aperfeiçoamento da gravura em madeira, resolveu entregar-se todo a essa particularidade, confiando nas boas disposições que tinha descoberto em Baptista Coelho, a quem tomou por discípulo e em breve habilitou para substitui-lo e auxilia-lo no patriótico empenho.»
«Pena foi, porém, que este expediente, aliás productivo, não fertilisasse tanto quanto havia rasoavelmente a esperar./…/»
(“A Gravura em Madeira em Portugal - II”, in Panorama nº 9 - 1866, pág. 68) «Em seguida ao Panorama veio a Ilustração.»
«O pensameno inicial d’esta nova publicação ilustrada era, creio eu, radicar a arte nacional e alargar-lhe a esphera até ás vastas proporções dos jornais estrangeiros do mesmo titulo.»
«Para realisar este milagre deram-se as mãos, lapis, penna, e buril, suppondo cada um que em qualquer dos outros existia o santo. Mas, infelizmente, em todos faltava a graça. O estudo e o exercício permanentes, sem os quaes não é dado ás belas-artes convencer os incredulos e abrir o reino da glória, tinham morrido á nascença. /…/»
«Os artistas que deviam realisar tão pretencioso ensaio eram ainda os mesmos do Panorama. A arte da gravura em madeira não havia, portanto, crescido, nem em aperfeiçoamento nem em cultores; teria, pelo contrário, emmagrecido, porque dormia; e o somno é para as artes que dependem, como as da gravura, de uma execução aturada, o mesmo que o reumatismo é para a gente. Entorpece-as, impossibilitando-as, conseuqnetemente, de poderem entrar, de prompto, em vida activa. /…/»
(“A Gravura em Madeira em Portugal - III, in O Panorama nº 14 - 1866 pág. 111) «No rasto luminoso que, em relação á litteratura, deixaram o Panorama e a Illustração, mais dois ou três jornaes illustrados pretenderam viver. Morreram, porém, pouco tempo depois de nascerem, no que não fizeram mal, porque eram a negação absoluta da arte, e da grammatica também. /…/ passaram, Bordalo Pinheiro a gastar os lapis, que ainda lhe restavam, em as notas provisorias das despezas domésticas, e Coelho a encortiçar os buris, para que nada lhes desse a ferrugem. Em seguida cruzaram os braços e deixaram-se dormir… para a arte.»
«Dormiram muito, e dormiriam eternamente, talvez, se o sonho, que é o inimigo mais zombeteiro dos enganados da realidade, não viesse alterar-lhes o espírito defallecido. Bordalo e Coelho sonharam… /…/ Passados poucos dias, sahia á luz o primeiro de um novo jornal illustrado, com o titulo modestissimo de “Revista Popular”.»
«Este jornal não parecia haver nascido de um longo interregno artístico. Tão desenvolvida e animada se apresentava agora a gravura em madeira, que ninguém diria ser o remédio o ocio, a somnolencia e a inércia. /…/»

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