Thursday, November 15, 2007

O MODERNISMO PEL'O HUMORISMO (2º parte)

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

1908/9
Tudo começou em 1908 no Liceu de Coimbra, onde estudavam Christiano Shepard Cruz (Leiria 189 ), Fernando Correia Dias ( 189 ), e Cerveira Pinto (Coimbra 1893), e que entram num projecto de edição do jornal do liceu, assumindo os dois primeiros o cargo de Director artístico nos primeiros números, e posteriormente o terceiro artista. O jornal foi "O Gorro", e durou apenas meia dúzia de números.
Mas, em Dezembro de 1909 este grupo de artistas irreverentes surge reunido com um outro artista a estudar direito na Universidade, Luíz Filipe Rodrigues (Melgaço 188), o qual surge como Director Artístico do jornal "A Farça".
Alberto Meira, nos anos trinta (na revista "Prima", em artigo sobre Luíz Filipe) escreverá: «Na realização da caricatura em Portugal marcou um ponto estranho a tudo quanto até então se produzia no género, e despreocupada falange de humoristas novos, que em Coimbra, cerca de 1910, se apresentava nas páginas duma revista da especialidade, infelizmente de curta duração.»
Estes quatro artistas são, para mim os introdutores do Modernismo em Portugal, já que entraram em ruptura com a escola naturalista, optando pela síntese expressionista (de influência germânica). Verificamos em suas obras a estilização dos registos miméticos, a liberdade abstratisante da mancha, a sintetização do discurso plástico e consequente anulação da perspectiva. São artistas livres, que fogem aos dogmas do ensino académico, às imposições dos mestres. Ele não publicaram qualquer manifesto, nem procuraram os críticos numa Galeria para receberem os seus consentimentos ou críticas, apenas lançaram para o público, um público mais vasto que os que frequentavam galerias de Arte, a sua obra.
Quatro artistas isolados, aos quais se juntará, por curto espaço de tempo (1910), um outro jovem de nome José de Almada Negreiros (São Tomé 189 ) de passagem pelo Liceu local, que ainda sem uma base teórica referenciada, têm já consciência de uma ruptura que desejavam, não só com o passado, mas com o presente.
Um dos academismos dominantes, da escola raphaelista, era o uso da sátira política, com identificação personalizada dos intervenientes, da farpas enviadas. O humor não era crítico ao regime, mas ao indivíduo, à identidade.
Este grupo opta por um humor irónico à sociedade, aos sistemas. Á velha chalaça política, apresentam como alternativa um humor mundano na estilização da vida citadina, com os seus contrastes entre pobreza e riqueza, sem nunca deixarem de serem anti-clericalistas, e de sagrarem o triunfo da mulher moderna, com a sua independência, a sua beleza, as suas formas ondulantes.
De "A Farça" saíram apenas seis números, mas tanto este como "O Gorro" foram uma lufada de ar fresco de humor e modernidade na imprensa humorística, onde reinavam os velhos "Supl. Humorístico de O Século", "Os Ridículos", "O Xuão"… Duraram o suficiente para chamarem a atenção sobre o traço destes artistas, que de imediato começaram a ser convidados para colaborarem em "O Povo", "A Revolta", "Jornal de Arganil", "A Lucta"… duraram o suficiente para influenciarem artistas como M. Pacheco, João Valério, Stuart Carvalhais, Hipolito Collomb…
Como escreverá André Brun, no Catálogo do Salão dos Humoristas de 1913, «O Humorismo, desde que for a reconhecido, baptizado e deitado à margem da arte séria, for a sempre vivendo, e se bem que o não vissem senão sob o aspecto d'um garoto da rua, gracioso e impertinente, ia criando músculos e caminhando com serenidade.
/…/ Um dia - o de hoje - a Arte chegou enfim a uma franca simplicidade. Despiu-se de todos os falsos atavios que séculos tinham ido sobrepondo sobre a nudez deslumbrante e já não busca iludir com grandes gestos, mas convencer com raciocínio. Reduzir a vida às equações claras e positivas, e quando a arte, professada por pontífices solenes e académicos, chegou a esta meta, encontrou, esperando-a tranquilamente e olhando-a com um sorriso, o Humorismo. Esse que ela sempre tomara, até então, por um gaiato irreverente, verificou-se que for a quem sempre conduzira o facho da verdade.»
A Caricatura, ou como a partir de agora se vai generalizar, o Desenho de Humor, ou Humorismo assume a liderança da ruptura, da irreverência estética.
1910
Na sequência das edições ligadas a este percurso do Modernismo-Humorismo gráfico, ainda em 1910 encontramos a revista "Límia", de Viana do castelo (terra onde vivia a família de Luíz Filipe, o qual é o elo de ligação), para onde todos estes quatro enviarão trabalhos.
É nesta revista que encontramos, pela mão de Luíz Filipe, a notícia da primeira baixa do modernismo, a notícia da morte do jovem artista Cerveira Pinto, que contava apenas 16 anos em Setembro de 1910, quando morre em Coimbra.
Este ano é o fim prematuro do Grupo de Coimbra, com o desaparecimento de Cerveira Pinto por morte, pelo destacamento do pai de Christiano Cruz, militar, para Lisboa, e no ano seguinte, com o finalizar do Curso de Direito, o regresso a Luíz Filipe ao Minho. Ficará apenas Correia Dias na cidade dos estudantes.
A vinda de Christiano Cruz para Lisboa vem despoletar a irreverência modernista na capital, congregando à sua volta uma geração de jovens insatisfeitos. Como dirá Jorge Barradas…. «Lhe demos o lugar primeiro…»
Este artista veio para Lisboa em consequência da implantação da República, golpe revolucionário que naturalmente modificara profundamente toda uma estrutura social, que dará alento ás novas ideias, à irreverência, ao sonho de uma sociedade nova. O modernismo era um sonho adequado a esta nova sociedade…
1911
Desse alento surgirá em Março a Exposição Livre, organizada por jovens estudantes emigrados, como bolseiros, e que desejam quebrar as amarras com as escolas, os Mestres académicos que dominam o ensino das Belas Artes em Portugal. Como já referi, as obras apresentadas pouco têm de modernidade, apenas a filosofia de intenções da organização da exposição se pode considerar moderna. Na realidade não conseguiram qualquer ruptura estética.
Desse mesmo alento, nasce a revista humorística "A Sátira", propriedade de um humorista de traço académico, mas que chama para a Direcção um jovem irreverente de nome Stuart Carvalhais, como será um espaço aberto às obras dos jovens modernistas, como Christiano Cruz, Correia Dias, Luíz Filipe, Almada Negreiros, M. Pacheco (ver mais nomes)
Publicará também obras de académicos já consagrados, como do seu proprietário Joaquim Guerreiro. Para além de ser um novo item editorial do percurso do Modernismo-Humorismo, a sua curta duração (quatro números) deu como fruto duas iniciativas importantes neste percurso: o regresso do único artista exilado por questões políticas, Leal da Câmara; a criação da Sociedade dos Humoristas Portugueses.
Leal da Câmara, como já referi, foi um dos primeiros artistas portugueses a entrar em ruptura com o academismo naturalisto-raphaelista. Por razões políticas, o regime tentará deportá-lo, mas este foge, primeiro para Madrid, depois para Paris. Em ambas as cidades triunfará.
Câmara conseguirá um lugar de destaque no meio caricatural francês, assim como desenvolverá actividade no design gráfico, e design de interiores como pedagogo e criativo. Totalmente integrado no meio cultural, não se dará com os jovens bolseiros portugueses, mas conviverá com outros imigrantes, como Picasso, com quem participará em exposições colectivas. Leal da Câmara, como depois Amadeo de Souza-Cardoso, foi o artista que viveu mais próximo dos grandes movimentos da vanguarda europeia do princípio do século.
Quando se verifica o derrube da monarquia, todos pensavam que ele regressaria de imediato do exílio, mas porquê vir-se enterrar de novo no fim do mundo, quando tinha uma carreira esplêndida no centro do universo cultural ?
Para a juventude ele era uma referência, um ídolo de irreverência, e foi essa juventude, reunida à volta de "A Sátira", que o conseguirá convencer a cá voltar. Convidaram-no para uma série de conferências e exposições.
Mal chegou, foi homenageado com um jantar, que os jovens 'esqueceram-se' de pagar. Ficou o Menu, uma preciosidade com uma série de auto-caricaturas de Christiano Cruz, Almada Negreiros, Stuart Carvalhais, Hipólito Collomb, Menezes Ferreira…
Inicia entretanto um ciclo de conferências em Lisboa, e em diversos pontos do país sobre "A Arte Útil", "O Humorismo e o Satirismo", "O Movimento Anti-Clerical e a parte tomada pela Caricatura Universal nesta campanha"… O panfletário republicano dava lugar ao pedagogo sobre as artes humorísticas e decorativas. Como complemento às suas palavras, existia a sua obra, com a qual realizará uma série de exposições: em 1911 expõe no "Grémio Literário, assim como no Teatro Nacional, onde em 1912 realizará nova exposição.
Dos catálogos destes exposições gostaria destacar uma frase de Coelho de Carvalho, que faz a introdução num deles, e no qual afirma: «…Leal da Câmara, grande na composição caricatural, e, sobretudo, como pintor impressionista de paisagens e retratos.» Noutro o artista dispensa elogios alheios, e é ele próprio que escreve a introdução, onde afirma: «Como vê, há uma certa quantidade de desenhos coloridos por vários sistemas - aguarela, pastel, óleo, verniz, pasteis oleosos, etc.»
«Por eles verá a tendência que tenho, como quasi todos os desenhadores modernos, de integrar nos simples desenhos as noções que antigamente só se utilizavam na pintura propriamente dita.»
«O Caricaturista, como terá visto pelos trabalhos dos meus colegas em outras exposições e por esta mesma, não encontra assumpto exclusivamente na política.»
«A rua com os seus typos, o campo com os seus costumes, a paysagem com os seus tons, os livros dos nosso melhores escriptores com as suas ideias de génio que só esperam ilustração, são tantos outros assuntos que interessam e impressionam o caricaturista.»
«São algumas d'essas impressões que lhes mostro n'esta exposição.»
****
«Ao fundo do salão, verá o meu caro visitante alguns moveis.»
«Eles não teem a pretenção de ser obra d' Arte e muito menos a de servirem de ensinamento à Industria nacional.»
«São, simplesmente, móveis que toda a gente pode fazer.»
«Não é ao rico, portanto, que eu dedico esta parte da exposição porque esse pode adquirir facilmente o mobiliário que lhe convêm.»
«Dedico estes móveis feitos do mais democrático pinho, à observação d' aqueles que teem pouco e que sentem a necessidade de crearem uma casa pobre mas correspondente aos seus desejos d' Arte.»
«/…/ É necessário, urgente mesmo, que os artistas da minha terra estudem este problema e que o Estado ou a Industria particular se occupem dela.»
«Em pouco tempo, graças a estes esforços combinados, haverá talvez em Portugal um mobiliário barato e as casas modestas tomarão pouco a pouco aspectos mais sadios.»
«Os explendidos motivos d' Arte decorativa que são o património da nossa raça portugueza, poderiam servir de base a esses futuros mobiliários e, se estes tarecos que exponho despertarem em um único visitante a ideia de chamar um carpinteiro e construir na sua casa uma mesa, uma cadeira ou uma estante, diferentes das que lhe são impostas pela tyrania do vendedor avulso. Dar-me-hei por satisfeito porque d' esse dia em deante esse visitante amará a sua casa, desejará embelezal-a, sentirá a necessidade fe ler, de estudar o problema do seu conforto - de progredir portanto - e dará o mais salutar exemplo que possa ser dado aos pequeninos observadores que são as criancinhas seus filhos, para os quaes a desordem e a falta de gosto doméstico são o peor dos trenos moraes.»
Da relação de obras nestes catálogos são curiosos alguns títulos, como:"O meu retrato pela nova escola Cubista", "Estampa Simili Japoneza - O domador de feras", "Blague Impressionista"…
A situação de Leal da Câmara na introdução do modernismo é bizarra, porque ele é um exemplo que os jovens modernistas respeitam e admiram; ele é um artista que pela sua obra está já distanciado do academismo, incorpora nos seus trabalhos elementos das novas vanguardas, nomeadamente do impressionismo, do expressionismo, do fauvismo… sendo as suas exposições de 11 e 12 muito mais de ruptura que os chamados Livres. Contudo manter-se-á sempre à margem da onda irreverente dos jovens.
De todas as formas foi incisiva a sua presença, nesta dinâmica. Para além da sua obra pedagógica, através das conferências, o simples montar das exposições, segundo os críticos da época, é já uma ruptura com o passado. Aquilino Ribeiro escreverá em "A Ilustração Portuguesa": «Ao mesmo tempo que Leal da Câmara exibia os seus trabalhos, ensinava a arte de armar uma exposição. Até ali os quadros estiravam-se pelas quatro paredes duma sala, a esmo, singularmente como os editais no átrio duma repartição pública.»
Para além deste facto a apresentação da caricatura como pintura a óleo, pastel, num mundo em que domina a tinta da china e a aguarela obriga os mestres académicos a ter maior respeito por esta arte. Por outro lado há uma grande necessidade de afirmação de A Arte como elemento integrante da educação do povo.
Christiano Cruz, como o Teórico do Modernismo-Humorismo defenderá em 19 … que se não se pode enviar o povo….
E o maior desalento de Leal da Câmara, quando resolve regressar a Paris em 1913 (?), é precisamente a falta de estrutura educacional e cultural da nossa sociedade. Como ele escreverá «…ainda não havia lugar para artistas; um homem de letras é um boémio; um pintor, escultor, desenhador, profissionais mais ou ,menos parasitários. Um desenho não se chama vinheta, cul de lampe, caricatura, retrato, chama-se um boneco; todos nós lá vivemos por favor; somos tolerados; falta meterem-nos a matricula na mão.»
O segundo elemento, onde "A Sátira" exerceu função crucial, foi a criação da Sociedade dos Humoristas Portugueses pelo grupo de artistas que se reuniam para levar avante aquela revista.
Esta sociedade, apesar de ter como principais motores os jovens modernistas, por razões económicas, e de credibilidade foi parcialmente dominada pelos conservadores. Monetariamente, porque quem suportava a revistas, as reuniões, e toda a estrutura era Joaquim Guerreiro, um caricaturista endinheirado, mas na linha raphaelista. Dominada pelos conservadores pela força do traço de Francisco Valença, pelo sombra tutelar dos Bordallos Pinheiro, na figura de Manuel Gustavo… De todas as formas a actividade deste grupo só se fará sentir em 1912.

Comments:
Prezado Osvaldo,


Fernando Correia Dias é meu avô e eu gostaria de poder entrar em contato direto com Vc.. Meu e-mail pessoal é o ateixeira@solombra.org e se Vc. puder me contactar eu ficarei muito agradecido.

Atenciosamente,

Alexandre C. Teixeira
 
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