Monday, November 26, 2007

HISTÓRIA da arte DA CARICATURA de imprensa EM PORTUGAL

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

“Fazer rir é já alguma coisa, mas, fazer rir aos outros é mais do que um talento. É quase uma caridade.”(Leal da Câmara)

INTRODUÇÃO
Do Humorismo, Da Caricatura

Antes do mais será conveniente esclarecer que utilizo o termo Caricatura, no âmbito francofono que engloba nesta designação todo o desenho de imprensa de cunho humorístico-satirico, termo esse que os anglo-saxões substituiram por Cartoon.
Definir Humor, Caricatura, Cartoon é algo ingrato, já que o acto de definir é muito controverso, e em campos em que os estudiosos nunca chegaram a acordos, ainda o é mais. Antes do mais é uma forma de comunicar, onde a estética se aliá a um grão divino de inteligência.
Comunicar é um sistema intrínseco á sobrevivência do homem, e de todos os animais. É nessa estrutura de transmissão de conhecimentos, de informações que depende grande parte da sua sobrevivência, e evolução.
O Homem, ao contrário dos outros animais, não só desenvolveu esse código de comunicação, como procurou criar um sistema de arquivaçao desses conhecimentos, dando-lhe oportunidade de os primorar, diversificar, e codificar.
Do sistema primário de comunicação geral, passaram para um sistema de comunicação de grupo, e posteriormente de étnia. Do simples sistema de comunicaçao de dados e factos, desenvolveram o sistema de comunicaçao de inovações e dissertações. A criaçao da filosofia foi talvez um dos factos mais importantes na comunicação, ja que quebrou as barreiras do mundo material e real, para passar para o virtual, para o imaginário.
O homem aprendeu a utilizar a comunicaçao para serviço da sobrevivência fisica, e mental. A comunicação, como divertimento, como ginástica mental deu uma nova dimensão ao homem dentro do mundo animal do planeta.
É nesse jogo, nessa procura de dominar plenamente a comunicação, com a realidade e o imaginário, com o facto e o reflexo que surge o humor na comunicação.
O humor é o triunfo da inteligência na comunicação humana, é a vit6ria do homem sobre os factos e o imaginário, assenhoreando-se da criação pura. Pelo humor o homem passa para o outro lado do espelho, podendo-se ver na reflexão da realidade, através de uma dimensão, dita risivel, que muitas das vezes é mais dramática de jocosa.
O riso, para além da comunicação e outro elemento que dlzem estar-lhe intrínseco. Creio que se poderia acrescer a dor, e as lágrimas também, já que o humor e a forma mais séria, mais crua e cruel de ver a sociedade, de se ver ao espelho. O humor é a visão não política, não polida, não policiada do Homem… É a visão do homem após a expulsão do paraíso, em que toda a sua nudes e fraquezas humanas vêm á pele.
Voltando ao riso, este e pelo menos o lado visível do humor, e a forma mais fácil de o definir. O humor é uma formula de comunicação, de raciocínio lógico, cuja conclusão ilógica provoca a surpresa, a qual resulta numa reacção de riso, despoletando os 18 músculos corporais que o riso trabalha. Através desta reacção se afastam os medos, se exorcizam os temores do desconhecido, se desenvolve o espírito de igualdade e superioridade do homem perante a sociedade e o mundo. O riso descontrai ambientes, cura depressões… Também há o sorriso, uma forma mais polida de reagir em público, de expressar mais uma sensação irónica de superioridade social... e como escreveu Manuel Cardoso Martha "nem sempre se tem rido do mesmo modo, nem com a mesma determinante".
É que o humor, não sendo uma atitude superficial do homem, mas um elemento profundo do espírito, do raciocínio, da salvaguarda da saúde mental da humanidade molda-se à evolução da sociedade, reflecte as rupturas, revoluções, alterações comportamentais do dia a dia, dos anos, do século. Sendo uma arte de sobrevivência, é também uma arte de reflexão da hist6ria, e através dela rever, recuperar essa história vivida.
Houve sempre Humor, com esta designação, ou com outras, desde que o Homem tomou consciência de si próprio, e da sociedade em que estava inserido. Há pensadores que vão mais longe,e de uma forma ‘sacrílega’ dizem que o Humor é divino, era a ciência que estava na maçã da arvore proibída, e que ao ser ingerida abriu os olhos ao Homem para a realidade. Dizem que o riso é a chama da inteligência roubada por Diogenes. Defendem outros que as formulas da criação humorística são doze, estão todas na Bíblia, e que o Homem mais não faz que as recriar, diversificar como dádiva divina…
Na antiguidade clássica vamos descobrir entre os Egípcios o deus Bess, deus do humor. Vamos encontrar entre os hierog1ifos caricaturas, como o vamos encontrar na arte Clássica Grega e Romana, tanto na literatura, como na pintura de cerámicas, na escultura... Fala-se do célebre tratado de Aristoteles sobre a Comédia que desapareceu, para glaudio da igreja cristã.
O Humor, o Riso, a Alegria eram defendidas nas civilizações Clássicas, como o é na religião Judaica, mas a religião Cristã encarará esse elemento como satânico, como gentio, e procurará combate-lo. Tertuliano, Cypriano e sao Joao Crisóstomo lutarão contra riso, o grotesco, já que só o belo é divino, e o homem deve ser apenas copista do que deus criou. Com o progressivo controle da civilização, por parte do cristianismo, instalar-se-á uma grelha censória, que culminará na Inquisição.
Curiosamente, na dita Idade Média, que uma certa hist6ria a figurou como um periodo obscuro, foi quando o humor mais se desenvolveu, a par da implantação da Igreja, e domínio castrante do seu poder. Junto aos reis vamos descobrir o Bobo, um 'humorista', um 'satírico', um 'cartoonista' da época que servia de transmissor das realidades que o rei não via, e de crítico do que o rei nao queria ver. Foi um elemento fundamental para a salvaguarda da saúde mental da sociedade cortesã desses tempos. O povo, recuperando o mais possivel os ritos pagãos, usou o humor nas danças macabras, nas Festas dos Loucos, na arte popular, inclusive na arte de canteiro nas catedrais. Os pr6prios monges copistas, utilizm o 'humor' e a ‘caricatura' nas iluminuras dos livros sagrados, e profanos explorando o mundo simbó1ico da imagem. As gravuras e folhas volantes que corriam pelas feiras mostravam o ‘mundo ao revês’….
Com o renascimento, apesar de uma certa erudição do humor através da pintura de alguns artistas ‘surrealistas’, do teatro das farsas, da Comédia del'Arte… perde-se o impacto satirico e agressivo do periodo anterior, e o humor é cada vez mais censurado, principalmente neste canto “clerical' da Europa.
Será durante o cisma protestante que o desenho satírico ganhará importância gráfica, tomando-se arma de combate, primeiro contra os papistas, e posteriormente também utilizada por estes contra os ‘hereges'. A nível europeu, pode-se encarar aqui o nascimento do que hoje se chama de caricatura ou cartoon editorial.
Portugal, pela sua posição geográfica de extremo ocidental europeu, sempre esteve vocacionado para viver o europeismo na marginalidade. Isso fez com que os acontecimentos, os movimentos culturais chegassem, não como uma onda no auge do movimento, mas como eco retardado, adulterado… assim aconteceu durante o Império Romano, na Idade Média, na Renascença, e o nosso povo, como conglomerado de muitos povos, culturas, tradições e censuras religiosas várias, que por aqui arribaram tornou-se num povo de brandos costumes. Por falta de uma tradição de grotesco (os árabes estavam proibidos de representações figurativas); por falta de interesse na fixação em pedra do seu imaginário fantástico, por estar fora da rota das 'corporações de pedreiros livres', dominadores da linguagem iconográfica e esotérica; ou por falta de tempo para se esquecer da dura realidade da sobrevivência num território que manteve a guerra durante longo tempo, num território pobre, não desenvolveu um largo imaginário, ou uma iconografia fantástico-cató1ica paralela á realizada na Europa. Na verdade a nossa iconografia românica e bastante pobre em conteúdo e expressão, predominando as simetrias decorativas, a representação heráldica de bestiários importados. Quanto ao Gótico português, este criará o seu imaginário não no esoterismo, mas na realidade náutica, criando beleza com a crueza dos artefactos do dia a dia,
Na iluminura, o copista teria maior liberdade de inspiração, um maior poder técnico pela maleabilidade dos materiais, mas nem aí o grotesco-bestiário atingirá a dimensão fantástica de outros centros culturais.

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