Monday, March 12, 2007

Conceitos 1 - A Caricatura


Por: Osvaldo Macedo de Sousa

A miopia é uma doença profissional que tem atacado o animal político desde longa data. Como antídoto a esta cegueira, os críticos desenvolveram a arte da exageração, para eventual correcção óptica dos factos ou ideias.
A exageração é a base da comicidade crítica, concebida sob a noção do grotesco. Usando o hiperbolismo, a distorção, a ampliação... encontramos essa arte do grotesco desde a Idade Pré-clássica, não só em figuras de terracota, como em textos ou montagens cenográficas sacras e profanas onde a máscara tem um lugar de destaque.
A Idade Média usou o grotesco como catarse dos seus medos, como inversão do mundo numa sublimação psicológica do poder e contra-poder, da opressão e da revolta.
Com o Renascimento houve uma recuperação do grotesco, do cómico vulgar, da comicidade do baixo-ventre pela ideologia superior. A sátira, a ironia, o fantástico desenvolveu-se como comunicação crítica de jogos entre os poderes. É a Comédia del Arte, é a pintura fantástica, é a poesia burlesca, é o desenho na desconstrução do feio. O grotesco deixou de ser o "retrato" em comicidade do feio, deixou de ser a simples exageração, a ampliação... para ser tomada de posição mental, uma irreverência do espírito e não do físico.
Em relação à palavra Caricatura, ela vem do italiano "caricare" = exagerar, e surge pela primeira vez ligada à arte do grotesco em 1646. Surge no prefácio do álbum de gravuras dor irmãos Carrache "Diverse Figure". Escreveram então: "o retrato-caricatura baseia-se na natureza, nos seus caprichos, deforma os traços do rosto. Um nariz demasiado grande, uma boca larga pode produzir um efeito mais expressivo, ao ponto de se tornar cómico. O artista deve acusar, exagerar as deformações naturais sem abandonar a semelhança ao modelo."
Neste linha existiam já desde o sec. XVI desenhos de Leonardo da Vinci, de Durer... ou seja "exagerações" da realidade no jogo dos espelhos deformantes, ao qual aos poucos se vai associando o novo conceito de humor, em vez da comicidade linear. Não são obras da "voce populi", antes jogos humorísticos da sociedade intelectual, das Academias de Belas Artes.
Em Inglaterra iremos encontrar em 1762 uma outra definição que diz: "A Caricatura é o burlesco do carácter, ou uma exageração da natureza". Em 1813 encontramos outro versão do mesmo conceito: "Toda a deformação, mesmo grave é caricatura".
Esta deformação é utilizada como estratégia enfática do discurso comunicativo, induzindo o exagero um maior imediatismo de leitura para o receptor. Exagerando por defeito, desenvolve-se a estrutura cómica da mensagem (bem utilizada neste final do sec. XVIII na guerra entre a Inglaterra e a França).
Como podemos ver, o desenho de humor da Idade Moderna desenvolve-se ligada à arte do exagero, do "caricare", como Caricatura, principalmente nos países de influência francófona. O primeiro jornal ilustrado de sátira, da sociedade ocidental, nasce em França em 1830, precisamente com o título de "La Caricature".
Por esta razão, por o "exagero" ser uma das principais armas da sátira gráfica, do desenho de índole humorística, o termo Caricatura foi adaptado como termo generalista que engloba todo o desenho de intervenção irreverente de imprensa, seja ele de sátira politica imediatista, seja de humor branco, seja de narrativa gráfica...
A Caricatura é assim uma linha que retrata a natureza (humana, animal, vegetal, etc...) através da deformação física ou moral. A linha pode realçar tanto o característico como o ridículo sem destruir o "retrato", para ir mais além do espelho, e atacar a alma da questão, para ultrapassar a simples máscara da hipocrisia.
Sendo a figura humana o centro da sátira gráfica, e por no seu nascimento os "retrati carichi" serem o principal alvo do desenho, o termo caricatura também (em alguns países é apenas) é associado ao retrato exagerado.
Em França usa-se o termo retrato-charge, que não foi adoptado pelos outros países, apesar de charge ser um conceito usado como definição de desenho de humor em alguns países. O termo adoptado para esse retrato-charge foi precisamente Caricatura no estrito senso.
Como a sua importância é fulcral nas sátiras de critica pessoal, para uma identificação mais directa dos visados, o retrato caricatural tomou um lugar de destaque, e vive num mundo quase independente de glorificação do Ser, ou como castigador de fácies. Esta importância impõe o termo caricatura neste sub-género satírico, fazendo que em alguns lugares se deixasse de referir os outros sub-géneros como Caricatura.
Um dos pontos a seu favor, como termo generalista em antagonismo com Humor Gráfico é que a sátira, a charge, a tira cómica nem sempre necessita de ser humorística. É uma irreverência crítica que faz antes de tudo chocar, pensar e eventualmente rir. São exagerações, eventualmente grotescas, eventualmente cómicas, eventualmente fantásticas, são Caricaturas.
Por outro lado não nos podemos esquecer que em princípio a Caricatura é para ser impressa, e o que o artista cria é um "cartão" que o artesão passava depois para a pedra litográfica, trabalho esse hoje simplificado pela técnica. Apesar de já não ser necessário criar o transfere, não deixa de ser um "cartão", um "cartoon".... mas isso será para um outro artigo.
(Artigo publicado na revista QUEVEDOS da Universidade de Alvalá de Henares - Espanha)





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