Thursday, November 23, 2006
Caricaturas Crónicas 20
BANHADAS
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Narra a lenda que quando o rei fazia anos, o reino metia água, ou seja, era a altura do banho anual do súbdito. Hoje, com a implantação republicana, as lendas e narrativas são outras, assim como as banhadas.
Já não há reis, mas presidentes, só que estes proliferam nos clubes, administrações, mesas, assembleias, freguesias... o que provocou um natural aumento, inflacionário, de dias de banho.
Tomava-se banho como penalização real, toma-se banho por satisfação termal, já que, entretanto, após as glaciações invernais, foi aquecendo o tempo, político-climatológico, provocando os «verões quentes», e quentes verões. Se, nos primeiros, as banhadas são impostas, nos segundos, surgiu o banho como descoberta da nobreza ociosa, da gente de sociedade, que das redes de peixe fizeram rendas de bilros. Foi a descoberta da areia; do sol, da água como recreio, a moda do despir, das temporadas de praia.
As temporadas são períodos de tempo, o qual é soalheiro ou invernoso, como se os extremos fossem unos em lazer. As temporadas da neve, e as do mar polarizam assim os gostos, que as meias-tintas são a monotonia do burguês em pantufas.
Num país de praias e descobridores, a capital descobriu a moda das estâncias balneares em Pedrouços, depois AIgés... Caxias... Carcavelos... Parede... Estoril... o «Tejo de Christal», um prazer que se foi afastando, até o cristal passar a garrafão, e finalmente em plásticos e esgotos.
Se foi difícil a implantação do gosto pelo banho, hoje os preparativos para o banho em certas zonas coincidem ainda com os trâmites de outros tempos: «Tendo esperado confiadamente que passem os caniculares e que o tempo assente, resolve-se tomar uma deliberação. - Não se me irá transtornar a natureza?.. - Em todo o caso sempre me purgo... - Venha lá uma gotinha d'água pela cabeça... (de regador)» (Raphael Bordalo Pinheiro, in «Antonio Maria», de 16/9/1880).
Instituindo-se algumas dessas praias, como medicinais, mantêm hoje os mesmos trâmites, só que inversos. Antes ia-se primeiro ao médico, agora vai-se depois.
Os banhos de água doce toleravam-se por imposição, enquanto que os de mar eram reservados como terapia contra as mordeduras de cães raivosos, por exemplo. E se ontem se curava a raiva, hoje ficamos raivosos com as longas bichas, com as multidões, com os garrafões e rádios aos gritos, com os preços balneários. Expandiu-se o hábito de tomar banho provocando graves problemas à vida social, já que proliferou como virose de férias, e como emigração populacional para a grande banheira, que é o mar. Um problema social, por ter sido o desgaste de regalias da sociedade ociosa, e uma alteração civilizacional, por vir a ser a transformação das zonas ribeirinhas, em antros comerciais.
Para a beira-mar se deslocam, em excursões, na procura do sol, que quando nasce é para todos, e das banhadas, como se as que os políticos proporcionam, constantemente, não fossem suficientes. Chamem-lhes «pacotes», ou «ondas», e a nossa vida anda como as marés, com a Lua; e aos altos e baixos.
Mas quais as razoes porque tomamos banho nas praias? «Por ordem do médico (contra a dita raiva, que hoje chamam de «stress») / Por limpeza e ingenuidade (pois crêem ficar mais limpos, depois da imersão em tais águas) / Por namoro (que aí não se podem esconder as misérias, sobressaem as virtudes)/ Por modo de vida (de Tarzans e afins) / Porque ele é belo e quer mostrar o busto - Mas a verdade é porque andam muitos pés sujos por aí.» (Raphael Bordalo Pinheiro, in «António Maria», 16/9/1880.)