Saturday, November 18, 2006
AMADEO DE SOUZA-CARDOSO CARICATURISTA
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
É tradição considerar-se a primeira fase, as origens de um artista como pertencente ao mundo «anedótico» das biografias, os tais momentos em que os pais andavam babados pelos riscos geniais nas paredes da sala, dos desenhos amorosos nos dias dos pais e do professor… assim como, os primeiros desenhos de irreverência de adolescente, os quais, nalguns artista, acabarão por ser os únicos momentos em que foram verdadeiramente ousados.
Mas há origens e origens e, no Portugal do início do séx. XX, encontramos entre os modernistas, artistas em que as origens são um período de especial interesse, como é o caso de Almada Negreiros, Jorge Barradas, António Soares, Carlos Botelho ... Amadeu de Sousa Cardoso. Estas origens, que se individualizam na obra geral, estão ligadas à caricatura, não por uma pseudo facilidade artística, mas porque como dizia Leal da Câmara «a caricatura ia na vanguarda».
Amadeo de Souza-Cardoso é um transmontano nascido em Amarante a 14 de Novembro de 1887. Filho da alta burguesia transmontana, teve uma educação esmerada, e quando chegou o «tempo», optou pelo estudo da Arquitectura. Um ano em Coimbra e outro em Lisboa bastaram para o convencer da nulidade do ensino neste país. A alternativa consistia pois procurar nova profissão, ou prossegui-la noutro país.
Paris, a «cidade de sonho», onde a boémia, o prazer, o dinheiro e as artes dominavam, foi o lugar eleito por Amadeo (1906), uma escolha igual à de tantos outros artistas do mundo inteiro.
Apesar de a Arquitectura ter sido a opção oficial para um curso académico, já há algum tempo que a sua mão procurava outras formas de expressão, procurava a linha, a linguagem do traço, a caricatura como síntese da expressão. Um estudo iniciado em Portugal, prosseguido em Paris, mas sempre com o apoio conselheiro do seu grande amigo e poeta Manuel Laranjeira: «Eu compreendo porque você tem falhado todas as vezes que tenta caricaturar-me, meu amigo, e vou dizer-lho. É porque você ainda está na idade em que se não ri das coisas tristes, você toma-se muito a sério, e quando tenta caricaturar-me, o lado sombrio da criatura que se torce dolorosamente em si ‘mesma’ avulta no seu espírito; e você, que não sabe nem pode rir-se de uma coisa assim, falha -- tem de falhar. Eu, se soubesse desenhar como você, creio que fazia a minha caricatura em dois traços singelos e estou certo que o faria profundamente grotesco e doloroso.» (Carta datada de Espinho, 24 de Abril de 1906.)
«Esplêndido, repito: você está de dia para dia adquirindo mais vigor e sobretudo mais sobriedade no desenho. É de resto uma evolução natural, que eu previ quando há dois anos, mal você balbuciava a linguagem das linhas, o aconselhei a desenhar, a desenhar, a desenhar muito, a desenhar sempre. Para entrar na posse plena de uma língua é preciso falá-la, falá-la sempre, sem desânimos, sem cansaços, obstinadamente. O desenho é uma língua também com uma estrutura própria que se adquire trabalhando, trabalhando infatigavelmente.» (Carta datada de Espinho, 23 de Outubro de 1907.)
Amadeo partiu para as artes como que numa luta pelo controle da linguagem gráfica, procurando não só o domínio técnico mas também da vida, trabalhando tanto a «mimese» naturalista como o retrato profundo, e por vezes grotesco que é a caricatura.
Não são muitas as obras humorísticas ou caricaturais de Amadeo, mas das poucas que se conservaram denota-se uma evolução (a tal que Laranjeira testemunha), um crescer de exteriorizações estéticas, conseguindo autênticas pequenas obras-primas da caricatura.
Denotam-se influências, para além dos conselhos de Laranjeira? Bem, em Portugal naquela altura ainda o naturalismo pictórico era rei e senhor, e na caricatura a escola raphaelista dominava, mas já tinham havido algumas dissidências e já se conhecia a obra de um Leal da Câmara ou Celso Hermínio, e estes tiveram certamente influência no traço caricatural de Amadeo. As suas obras são como que uma fronteira entre essas «ilhas» gráficas do mar raphaelista, e a futura onda do modernismo dos anos dez.
Quando os anos dez chegaram já Sousa Cardoso estava longe da caricatura, tinha partido para outros mundos, talvez um pouco exóticos segundo alguns, e que no fundo são fruto daquela filosofia de trabalho impulsionada pelo amigo poeta, e que o levou, de 1906 a 1911, à busca das formas, conquistando assim o seu lugar na revolução estética do nosso século.
A partir de 1912, com a complementação pela cor, Amadeo precipita-se na «conquista das vanguardas», a febre da pesquisa domina-o. A revolução está na destruição das escolas, e ele ultrapássa-as: «( ... ) as escolas estão mortas. Nós, os jovens, procuramos a originalidade. Eu sou impressionista, futurista, abstraccionista, de tudo um pouco.» (1916, in entrevista no Primeiro de Janeiro). Procurará a modernidade de Baudelaire: «La modernité c'est le transitoire, le fugitif, le contingent, la moitié de l'art, dont l'autre moitié est l'éternel et l'immuable». Trabalhará todas as correntes estéticas do seu tempo, dará o seu contributo e abandoná-las-á. Teve a necessidade de tudo dizer nos seis anos de vida que lhe restavam. Mostrou o seu valor, mas não o pôde desenvolve-lo, pois viria a morrer em Espinho a 27 de Outubro de 1918, com a pneumónica, epidemia que mataria cerca de um milhão de portugueses. Tinha regressado de França em 1914, por causa da Guerra, e seria na sua casa de Manufe que criaria a maior parte da sua obra. Em 1916 deu a conhecer a sua obra ao público português (no Porto e Lisboa), ousadia que lhe trouxe alguns dissabores, por incompreensão, por saloice do nosso meio cultural.
Em Amarante há um magnifico Museu com o seu nome, obra e obra de amigos.
Neste momento a Gulbenkian, em Lisboa tem uma magnifica retrospectiva da sua obra em Exposição. A não perder.
É tradição considerar-se a primeira fase, as origens de um artista como pertencente ao mundo «anedótico» das biografias, os tais momentos em que os pais andavam babados pelos riscos geniais nas paredes da sala, dos desenhos amorosos nos dias dos pais e do professor… assim como, os primeiros desenhos de irreverência de adolescente, os quais, nalguns artista, acabarão por ser os únicos momentos em que foram verdadeiramente ousados.
Mas há origens e origens e, no Portugal do início do séx. XX, encontramos entre os modernistas, artistas em que as origens são um período de especial interesse, como é o caso de Almada Negreiros, Jorge Barradas, António Soares, Carlos Botelho ... Amadeu de Sousa Cardoso. Estas origens, que se individualizam na obra geral, estão ligadas à caricatura, não por uma pseudo facilidade artística, mas porque como dizia Leal da Câmara «a caricatura ia na vanguarda».
Amadeo de Souza-Cardoso é um transmontano nascido em Amarante a 14 de Novembro de 1887. Filho da alta burguesia transmontana, teve uma educação esmerada, e quando chegou o «tempo», optou pelo estudo da Arquitectura. Um ano em Coimbra e outro em Lisboa bastaram para o convencer da nulidade do ensino neste país. A alternativa consistia pois procurar nova profissão, ou prossegui-la noutro país.
Paris, a «cidade de sonho», onde a boémia, o prazer, o dinheiro e as artes dominavam, foi o lugar eleito por Amadeo (1906), uma escolha igual à de tantos outros artistas do mundo inteiro.
Apesar de a Arquitectura ter sido a opção oficial para um curso académico, já há algum tempo que a sua mão procurava outras formas de expressão, procurava a linha, a linguagem do traço, a caricatura como síntese da expressão. Um estudo iniciado em Portugal, prosseguido em Paris, mas sempre com o apoio conselheiro do seu grande amigo e poeta Manuel Laranjeira: «Eu compreendo porque você tem falhado todas as vezes que tenta caricaturar-me, meu amigo, e vou dizer-lho. É porque você ainda está na idade em que se não ri das coisas tristes, você toma-se muito a sério, e quando tenta caricaturar-me, o lado sombrio da criatura que se torce dolorosamente em si ‘mesma’ avulta no seu espírito; e você, que não sabe nem pode rir-se de uma coisa assim, falha -- tem de falhar. Eu, se soubesse desenhar como você, creio que fazia a minha caricatura em dois traços singelos e estou certo que o faria profundamente grotesco e doloroso.» (Carta datada de Espinho, 24 de Abril de 1906.)
«Esplêndido, repito: você está de dia para dia adquirindo mais vigor e sobretudo mais sobriedade no desenho. É de resto uma evolução natural, que eu previ quando há dois anos, mal você balbuciava a linguagem das linhas, o aconselhei a desenhar, a desenhar, a desenhar muito, a desenhar sempre. Para entrar na posse plena de uma língua é preciso falá-la, falá-la sempre, sem desânimos, sem cansaços, obstinadamente. O desenho é uma língua também com uma estrutura própria que se adquire trabalhando, trabalhando infatigavelmente.» (Carta datada de Espinho, 23 de Outubro de 1907.)
Amadeo partiu para as artes como que numa luta pelo controle da linguagem gráfica, procurando não só o domínio técnico mas também da vida, trabalhando tanto a «mimese» naturalista como o retrato profundo, e por vezes grotesco que é a caricatura.
Não são muitas as obras humorísticas ou caricaturais de Amadeo, mas das poucas que se conservaram denota-se uma evolução (a tal que Laranjeira testemunha), um crescer de exteriorizações estéticas, conseguindo autênticas pequenas obras-primas da caricatura.
Denotam-se influências, para além dos conselhos de Laranjeira? Bem, em Portugal naquela altura ainda o naturalismo pictórico era rei e senhor, e na caricatura a escola raphaelista dominava, mas já tinham havido algumas dissidências e já se conhecia a obra de um Leal da Câmara ou Celso Hermínio, e estes tiveram certamente influência no traço caricatural de Amadeo. As suas obras são como que uma fronteira entre essas «ilhas» gráficas do mar raphaelista, e a futura onda do modernismo dos anos dez.
Quando os anos dez chegaram já Sousa Cardoso estava longe da caricatura, tinha partido para outros mundos, talvez um pouco exóticos segundo alguns, e que no fundo são fruto daquela filosofia de trabalho impulsionada pelo amigo poeta, e que o levou, de 1906 a 1911, à busca das formas, conquistando assim o seu lugar na revolução estética do nosso século.
A partir de 1912, com a complementação pela cor, Amadeo precipita-se na «conquista das vanguardas», a febre da pesquisa domina-o. A revolução está na destruição das escolas, e ele ultrapássa-as: «( ... ) as escolas estão mortas. Nós, os jovens, procuramos a originalidade. Eu sou impressionista, futurista, abstraccionista, de tudo um pouco.» (1916, in entrevista no Primeiro de Janeiro). Procurará a modernidade de Baudelaire: «La modernité c'est le transitoire, le fugitif, le contingent, la moitié de l'art, dont l'autre moitié est l'éternel et l'immuable». Trabalhará todas as correntes estéticas do seu tempo, dará o seu contributo e abandoná-las-á. Teve a necessidade de tudo dizer nos seis anos de vida que lhe restavam. Mostrou o seu valor, mas não o pôde desenvolve-lo, pois viria a morrer em Espinho a 27 de Outubro de 1918, com a pneumónica, epidemia que mataria cerca de um milhão de portugueses. Tinha regressado de França em 1914, por causa da Guerra, e seria na sua casa de Manufe que criaria a maior parte da sua obra. Em 1916 deu a conhecer a sua obra ao público português (no Porto e Lisboa), ousadia que lhe trouxe alguns dissabores, por incompreensão, por saloice do nosso meio cultural.
Em Amarante há um magnifico Museu com o seu nome, obra e obra de amigos.
Neste momento a Gulbenkian, em Lisboa tem uma magnifica retrospectiva da sua obra em Exposição. A não perder.