Friday, October 13, 2006
Caricaturas Crónicas 14
A USURA DO SENSO OU A CENSURA DO USO
Por: Osvaldo Macedo de Souss
O uso do senso nem sempre tem tido o consenso em nossas terras, seja porque somos um povo de credo na boca seja porque uma rolha pende frequentemente sob as bocas da expressão. A isso se chama a usura do senso, que se usou e abusou desde os primórdios da nacionalidade, em religiosidade censória.
Desde as investidas senhoriais, passando pelas inquirições e inquisições, até ao absolutismo da tesoura, seja do barbeiro, do crítico ou do alfaiate, temos sido um povo de cortes, em fino recorte de incompatibilidades, como o «mau génio da censura, e o bom humor» (Francisco Valença, in Sempre Fixe, 7/7/1928) da opinião.
Se o espírito de inquisição dominou, ou ainda domina, certos políticos, dirigentes ou candidatos, a Santa Inquisição foi contudo a nossa primeira castração, à qual não ficaram estranhos os artifícios oitocentistas do «castratismo» inaugurador do S. Carlos, na deformação de vozes dominantes e tónicas. Em nome de santos poderes, porque estes são sempre santos para quem os tem na mão, deformaram-se mentes, e muitas cabeças, de uma nação sem consenso maioritário, mas com senso de ludibriação. Se hoje somos um povo de segundos sentidos, intenções ou de desenrasca, devemo-lo ao tal espírito «bisbilhoteiro» de mentes, que fizeram o nosso «renascimento» possível.
Quem mente sempre alcança, dirá o analista político perante esse baile, onde «poderemos andar a direito, para cumprir o regulamento do trânsito, ou continuaremos a andar aos ziguezagues, para não nos espetarmos» (Francisco Valença, in Sempre Fixe, 2/1/1936). Fugindo ao «baile mandado», a censura é um pezinho de dança, em polca (Amarelhe, in Sempre Fixe, 12/8/1926) de artifício.
Essa «nuvem que os ares escurece» (Francisco Valença, in Sempre Fixe, 7/2/1835) fez eclipsar muitos iluminados, impôs-se como inquisição ou ditadura castradora, que na caricatura ficou testemunhada como «Recordação Cabralista - primeira censura» (Buffon, in Asmodeu, 1/5/1858), depois como «lei das rolhas» (Raphael Bordallo Pinheiro in Pontos nos ii de 10/4/1890) dos anos 80/90, para no fim/princípio do século se materializar no «Juiz Veiga», o maior pesadelo do republicanismo e da liberdade: «Metendo em tudo a tesoura, não poupa ao corte nenhum! Não deixa mexer a hidra, mas p'riga o senso comum.» (Nogueira, in Os Pontos, 27/4/1902).
O senso comum é o pior inimigo do governante, de consciência pesada, e a censura a sua melhor arma, manejada à descarada, como na ditadura, ou sub-repticiamente. Censura não é apenas a senhora que, pelo seu espírito de jejum quaresmal, faz a «abstinência da carne, e devora linguados que é um gosto» (Francisco Valença, in Sempre, Fixe, 15/7/1926), mas também a manipulação das notícias e opiniões, é o esquecimento de factos e homens, é o tabu de ideias e histórias.
Ainda hoje a religião, a ditadura, a guerra colonial, os implicados na revolução, a corrupção política... se transformaram em tabus censórios, interpretando-se a liberdade como tranquilidade de alguns.
Alguns fizeram a ditadura em 26, chefiados pelo Gomes, que, na defesa das Costas, instituíram o «exame prévio». A Censura é a «Dona do Carmo» interpretada por Valença como «Nª Sr.ª do Carmo» (por estar instalada no Quartel do Carmo), protectora das tesouras e lápis azuis: «Co'as garantias suspensas, já não se entende ninguém. Toda a hora vem sentenças, fecha às dez e fecha às onze, fecha à uma e fecha bem. Bem se vê que o general, comandava a aviação, pois julga que isto, afinal, é só pôr tudo no ar, em completa suspensão». (Amarelhe, in Sempre Fixe 15/7/1926)
Suspensos por generais ou sacristães, por censuras ou inquisições, ideias ficam por dizer, ficam políticas por criticar, mas uma coisa é certa, nunca se cala uma imaginação: «Os leitores olham para aqui, para esta folha, em branco, imaginam o que quiserem, e assim se satisfazem todos.» (Francisco Valença, in Sempre Fixe, 14/3/1935).