Friday, October 06, 2006

Caricaturas Crónicas 11

NACIONALISMOS
Por: Osvaldo Macedo de Sousa

«-Olha, o António já pratica o nudismo!»·
«- Aquilo não é nudismo. É nacionalismo integral.
Não vês que vai de tanga?»
(Stuart, in Sempre Fixe de 1/10/1930).

A questão do nacionalismo é um ponto de muitas visões filosóficas e subjectivas. Para uns, é um sentimento que se centra nos valores simbólicos do hino e da bandeira, elementos sacrossantos, tabus acima de qualquer charge. Para outros, é um estar na vida, um jogo entre a internacionalidade conveniente e o nacionalismo de casta, com uma certa abertura de transgressão para ambos os lados, consoante os ventos e tempos.
Por exemplo: «0 nosso amigo X é patriota de uma cana e nacionalista dos quatro costados. Abre, contudo, umas pequenas excepções: usa bigode à americana, veste-se de autêntico cheviote inglês, tem gato francês e canário belga, é gerente da sucursal de uma Companhia Suiça, mora na Praça do Chile, e pela-se por uma partida de golfe, adora as amêijoas à espanhola, o macarrão à italiana e o bacalhau sueco, não dispensando à sobremesa a salada russa, o queijo f1amengo e as fatias da china, tudo tão bem regado com vinho de Bordéus e cerveja alemã que, o nosso amigo X, patriota de uma cana e nacionalista dos quatro costados, não sabe de que terra é» (Francisco Valença, in Sempre Fixe de 16/9/1937).
A terra é o único elemento fixo dessa estrutura nacional, porque é nela que as raízes se afundam numa prisão sentimental, num sentir acima de qualquer política, que é a Saudade, essa figura mítica lusa da «acção do desejo sobre a lembrança e da lembrança sobre o desejo».
A saudade raramente cria humor, antes, a tristeza, e, conciliando a terra lusa, a saudade e a tristeza, nasce o Fado. É claro que geograficamente o fado é uma canção típica de Lisboa, e apenas desta, com uma variante em Coimbra, só que Lisboa, como capital política e económica deste império de saudades, consegue transformar tudo o resto em paisagem, impondo o Fado como mais um elemento do nacionalismo, e «toda a gente bate o fado, - todos fazem 'escovinhas' mas é sempre o Zé, coitado, - quem apanha as pancadinhas...» (Raphael Bordalo Pinheiro, in Amónia Maria de 5/4/1883).
O Zé, esse "filho das tristes ervas, neto das águas ardentes» (Stuart Carvalhais, in Sempre Fixe de 13/5/1931), é quem paga sempre com tudo, até com a saudade. Mas de que é que o Zé pode ter saudades, já que nunca foi rico, nunca teve uma vida social estável e confortável, sempre teve que lutar por todas as migalhas do seu pão, uma luta de que tem orgulho, e não nacionalismo, e por isso o Fado é importante para quem o canta: «Muito gosto eu de ouvir cantar a minha desgraça» (Stuart, in Sempre Fixe de 5/l1/1930).
O nacionalismo, para além de um jogo de políticos, da mistificação de uns símbolos, não é nada se não for um riso aberto, se não puder suportar o nudismo e mostrar a verdade feita sentimento. A tanga é por vezes o último reduto da decência do Zé, e ao menos que a bandeira lhe sirva como tal. Dessa forma ridícula, dessa forma útil, o nacionalismo poderá então ser amado, ser vivo, não como uma saudade moribunda, não como um fado miserabilista.

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