Thursday, May 18, 2006
DEUS E O RISO
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Eu Creio!
Quem acredita sabe, apesar de eu nada saber de concreto. É a eterna dúvida socrática de saber ou não saber, eis a questão. Por conveniência de sobrevivência também é preferível garantir que desconhecemos, quando sabemos, ou convencer que dominamos o assunto quando a ignorância nos assalta.
Eu Creio que existe uma Força Superior. Pela minha educação fui ensinado a chamar-lhe Deus, com a Mensagem de conduta existencial transmitida por Jesus. Outros rezam ao mesmo Deus, com esta ou outra designação linguística, através de mensagens transmitidas por Abraão, Moisés… por Maomé, … por Buda… Todos Crêem, e todos sonham que têm a verdade única.
Na realidade, as histórias entre elas pouco variam, e a Mensagem pode parecer diferente, por caminhos bem diferentes, mas a essência é a mesma, a salvação da alma de cada um. A Mensagem é quase semelhante apenas envolta em roupagens fonéticas diferentes.
O problema não está em Deus, mas nas palavras dos Homens, nas caligrafias ideográficas. Que o digam os tradutores. Não é fácil traduzir na perfeição as ideias, os pensamentos contidos nas palavras dos outros. Pior ainda quando essa Mensagem passou por vários escribas, por várias mutações da língua, ou de línguas, por vários comentadores. Já diz o ditado quem conta um conto acrescenta um ponto. Eis a razão pela qual o mesmo Deus tem tantas religiões, tantas seitas, tantas variantes. O problema não está em Deus mas nos Homens.
Eu acredito que no fundo algo há de divino nos “Livros Santos”, mas infelizmente muito adulterados pelas conveniências dos Homens ao longo de séculos de interpretações, pelos vícios humanos.
A primeira das questões que ponho em causa nesta História divina, é quando afirmam que fomos feitos à imagem e semelhança de Deus. Por um lado não posso aceitar que Ele seja tão feio como muitos que se cruzam comigo na rua. Por outro não acredito que Ele seja tão impiedoso, tão sanguinário, tão ditatorial como o descreveram. Creio sim que Deus é que foi idealizado à imagem e semelhança do Homem. Tanto mais que Deus não é matéria, mas espírito, a nossa Luz. E, não há espírito mais sublime que o espírito humorístico, a mente brilhante da inteligência.
A segunda questão que os “Livros Santos” me levantam, é a falta de justificação da raridade em que Deus surge a rir, ou a sorrir, porque são raros os momentos em que descrevem o riso divino, como se essa faculdade extraordinária de inteligência fosse apenas humana.
A inveja (irmã do ciúme, da guerra…), é um dos piores defeitos da humanidade. Os copistas, os tradutores ou não compreenderam a profundidade das mensagens, a irreverência irónica ou cómica das alegorias, das parábolas, das paráfrases, das sentenças moralistas, ou “boicotaram” a mensagem humorística numa dramaturgia trágica da palavra. A essência da vida é a tragédia da sobrevivência, e só os seres superiores se podem dar ao luxo de olhar o quotidiano com humor. Para os Homens que foram transmissores de palavras divinas foi sempre mais fácil impor o respeito por uma tragédia que por uma comédia. É mais fácil traduzir os conceitos dramáticos que os cómicos. É mais fácil impor um Deus trombudo e castigador (um Pai tirano) que um Deus alegre e cúmplice de irreverências no caminho do Bem (um Pai companheiro).
A primeira mal interpretação, começa logo na criação do mundo. Num papiro alquímico do séc. III d.C. (conhecido como papiro de Lleida), alguém descreveu que foi do riso de Deus que nasceu o Mundo. Da primeira gargalhada surge a Luz; da segunda nasce a Água; da terceira surge Ermes; da quarta a Geração; da quinta o Destino; da sexta o Tempo…. E na sétima Deus inspirou profundamente. Mas, como acabou a chorar a rir, das lágrimas nasceu a alma.
A concepção e o Riso são um tema comum em diversos mitos, em que a teoria do “Big-Bang” só vem ilustrar com maior profundidade. Quando se verifica a explosão cómica no nosso corpo, nasce uma nova visão da vida. Da explosão cósmica nasceu o Universo. De uma gargalhada divina se fez Luz, separando as trevas do conhecimento, dando nova esperança ao Universo.
Após a criação do mundo, vem a questão do nascimento do Homem, onde a história da serpente e da maçã vem muito mal contada. É verdade que a serpente, ou um animal rastejante saído das águas surge em muitos mitos da criação, e de muitas explicações científicas. É verdade que, por vezes, apelidam os satíricos, os críticos como língua viperinas, em que a ironia é como o serpentear do pensamento. Contudo quase podemos garantir que a serpente de Adão e Eva não era nenhum humorista.
Na nossa investigação não o conseguimos identificar, mas já em relação à maça temos algumas suspeitas. Quando Ele fez um croqui com o Adão e depois a criação com Eva, pareceu ter criado o Paraíso. Dois tontos apaixonados que não viam nada mais à sua volta. Tudo era belo, tudo era pôr-de-sol numa esplanada à beira mar. Parecia perfeito, não necessitavam de trabalhar, a mesada era suficiente, as ondas boas, a música ideal… Contudo havia algo que faltava… No Homem há sempre algo que falta, um vazio, uma insatisfação por não terem, ou por terem… é quando surge a serpente do nada. Nunca se sabe donde elas aparecem, mas aparecem.
Um animal descontextualizado na calmaria paradisíaca, um vendedor de outros paraísos como “extasy” ou outros alucinatórios, um predador de insatisfações, um invejoso que queria vender cópias piratas da árvore do conhecimento, um pirata de “down-loads” de sabedoria.
Havia, segundo reza a história (principalmente quando são religiosas), uma árvore do Conhecimento que produzia as melhores maçãs de filosofia humorística, esse fruto que abre os olhos ao progresso, que com a sua irreverência abre novos mundos ao conhecimento. Foi essa tentação que serpenteou frente ao dolente casal. Adão, induzido como sempre por Eva, trincou… mas a sofreguidão era tanta que se engasgou com o jorro de sumo do conhecimento. Nasce assim a mania do homem ser o bobo da corte para gozo da mulher que lançou então a primeira gargalhada humana. Nesse “Big-Bang” explosivo a realidade impôs-se. O Homem conheceu então a inteligência abstracta e objectiva, descobrindo que não há apenas uma verdade única, mas sim diferentes perspectivas do mundo. Passou a ser obrigatório a escolha entre a optimista e a pessimista segundo o livre arbítrio de cada um.
Desta forma se revelou a eterna comunhão entre o humor e o divino. Assim nasceu a eterna confrontação entre a comicidade e a religião, duas faces do sagrado que o maniqueísmo humano dividiu em impuro e puro, em “não sério” e “sério”.
O Riso no Politeísmo Clássico
Viajando pelos mitos dos povos primitivos, verificamos que as tradições orais não favoreceram a comicidade, abrindo contudo sempre um pequeno espaço para uma ou duas figuras irreverentes, deuses da alegria e da germinação. O riso, como sempre, ligado à gestação, ao renascimento da natureza. Falamos claro dos panteões politeístas, principalmente dos povos da bacia do mediterrâneo, que estão na base da nossa cultura.
Como acontece nos manais de História, viajamos até ao antigo Egipto onde iremos encontrar referências à deusa “Maat” a deusa da alegria, a qual tinha como função lutar contra o poder da morte através do cómico. Manifestar a alegria de viver era símbolo de crença no futuro, na preservação da vida no renascimento anual da natureza. Nessa luta pela sobrevivência o Rio Nilo era fundamental, razão pela qual os sacerdotes de Tebas rezavam ao “Rei Nilo” com gargalhadas, para que a sua força fertilizasse os campos.
Alguns caricaturistas egípcios falaram-me da deusa “Bess”, como primeira deusa ligado ao humor, porém nunca encontrei referencias e esta deusa em manuais de egiptologia. Encontramos sim, referências a painéis de hieróglifos com paródias, com “caricaturas” à vida quotidiana da sociedade egípcia.
No Olimpo Grego, segundo Homero, soava constantemente o riso divino, já que eles se divertiam a fazer partidas uns aos outros, ou aos humanos. Um dos relatos fala das gargalhadas de prazer de Zeus quando magicava a vingança sobre Prometeu…. A história de Prometeu também é ambígua em relação ao riso. Alguma tradição apresenta-o como o artesão dos Homens, que os fabricou em barro, enquanto que outros escritos apenas o apresentam como um benfeitor da raça humana ao roubar o fogo sagrado a Zeus e dando-o aos Homens. Qual é porém na realidade esse fogo? O que simplesmente ateia a fogueira, ou o fogo que abriu a mente dos Homens? O riso filosófico que desmascara a fragilidade dos deuses, das falsidades.??? Como vingança Zeus não só castigou Prometeu numa eterna condenação à falta de liberdade, como enviou todas as desgraças de Pandora para matizar os benefícios do saber humorístico. (Claro que sei que esta versão é muito subjectiva e que ninguém concorda com ela, mas se outros filósofos puderam inventar suas teorias, porque é que um simples mortal como eu também não posso?). De todas as formas na Ática fazia-se o culto a Prometeu como protector das ciências e das artes, como espírito que projecta a mente humana para a inovação para a irreverência de novos caminhos a descobrir e a enriquecer o conhecimento humano.
Como já anteriormente mencionei, no Olimpo Grego há muitas referencias aos deuses que riem, e inclusive o filósofo Proclo defendia que os deuses tinham nascido do riso do Deus soberano, enquanto que os Homens da suas lágrimas, sendo todos irmãos no infortúnio da vida, só que uns vivendo com a imortalidade, e os outros na perenidade do tempo.
Encontramos os que riram com vontade, e os que perderam o riso, como aconteceu com Demetera qual só recuperará o riso através das brejeirices de Baubo, ou seja até no mundo divino o riso do baixo ventre nunca falha, sendo superior em comicidade à comicidade do alto ventre. Sim, estes deuses tinham todos os defeitos dos humanos…
Demeter torna-se orgíaca, a vitória do riso sobre as lágrimas, o sexo sobre a morte-fertilidade. No culto de Eros o riso também estará presente, e assim como em todos os deuses ligados à natureza, à germinação… como Dionísios, Baco… Muitos mais deuses há ligados ao riso que, com o desaparecimento da cultura Helénica, passarão para o Império Romano, inserindo-se discretamente depois em algumas das tradições que ainda hoje persistem. A destacar eventualmente as Saturnalis e o Lupercali.
Saturno era o deus do tempo. O calendário oficial regia-se pela Lua, enquanto que o calendário agrícola regia-se pelo sol, o que dá um desencontro de 3 dias, ou seja em Dezembro havia necessidade de uma reposição do tempo, havia 3 dias em que Saturno reinava, em vez de Zeus. Este era conhecido como pai colérico que não só era vingativo, como abusador, enquanto que Saturno era considerado como um governante da Felicidade, ou seja, nestes três dias deveria reinar o prazer da felicidade, desenvolvendo-se jogos, rituais de inversão que fizessem sentir os Homens como dominadores da morte, das desgraças. Esses dias situam-se entre 17 e 23 de Dezembro, o que faria posteriormente que se usassem essas datas para celebrar o nascimento do redentor, o Natal onde a felicidade é uma obrigação.
Os Lupercali celebravam-se em Fevereiro, outro jogos de inversão, de comicidade a apelar à natureza para que renascesse da morte invernal, o que dará posteriormente o Carnaval.
Muitos outros mitos e deuses se poderiam invocar aqui, mas como vivemos em tempos de monoteísmo, regressamos ao médio oriente, terra mãe das três principais religiões monoteístas da cultura ocidental.
O Riso e o Judaismo
O Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo partem do mesmo Deus Único e Omnipotente. Logo no início da história comum, Deus confronta o patriarca do monoteísmo com o Riso. É o momento mais estudado da Bíblia, porque aqui não é um momento em que os investigadores deduzem um esgar do riso divino, ou uma ironia nas suas palavras. Ele fala mesmo do riso. É a célebre historia de Abraão e Sara , em que o primeiro com 100 anos e sua esposa com noventa recebem a notícia que seriam em breve pais. Sara cai por terra a rir-se incrédula, pois estava numa idade muito avançada para poder ter filhos. A rir-se retorquiu que se contasse aos outros que iria ter um filho, rir-se-iam dela. Então Deus ordenou a Abraão que este filho deveria chamar-se Isaac.
Noutra língua, esta história perde grande parte do seu conteúdo, já que a sua riqueza está num jogo de palavras que nunca é traduzido. Isaac em hebraico pertence ao verbo «Lyitzhak», rir, e como Sara se riu da ideia da velhice poder gerar um novo ser, Deus ordenou que este filho teria como nome de aquele que «Rir-se-á» (Yitzhak), da incredulidade, da velhice da morte.
Através desta passagem nas sagradas escrituras, Deus dá ao seu povo um conceito fundamental da inteligência humana, rir-se da incredulidade perante o poder de Deus; rir-se de si mesmo para vencer a dúvida, a caducidade do que parece como única verdade. Rir-se da caducidade da velhice, para renascer, vencer o futuro. Deu-lhe como que uma segunda oportunidade de sobrevivência, após o Homem ter deixado o Éden.
Todas as Sagradas Escrituras Judaicas estão repletas de humor, através de jogos de palavras, de provérbios, parábolas como ridicularização do vício, da insensatez, como pedagogia, como lógica filosófica para compreensão entre o sagrado e o profano. Como diz o provérbio judaico - « ri dos teus próprios problemas, e nunca te faltará do que rir».
O Judaísmo defende o humor como disciplina pedagógica, onde a irreverência joga como balanço entre o respeito devido e intransigente às coisas, e a liberdade de inteligência da criatividade, para cada um saber resolver a vida dentro das normas. A alegria deve sobreviver a tudo, apesar do pensamento nunca se distanciar totalmente da lembrança que o Templo foi destruído, e ainda não reconstruído («Na maior das minhas alegrias, lembrarei Jerusalém»). O humor deve conter em si o contraponto da mágoa. Só a alegria nos dá conhecimento da dor, e a dor o conhecimento da alegria. Deve-se desenvolver a arte do humor e da irreverência, sem nunca se esquecer o respeito que se deve ter a essa alegria, a essa dor.
A alegria chega a ser uma norma judaica, prescrita em festejos religiosos, onde esta é mesmo imposta. Houve em tempos idos uma celebração que tinha inclusive o nome de «Festa da Alegria», e da qual nasceu um ditado: «quem não viu a alegria na Festa, não sabe o que é a alegria».
Outra comemoração ligada ao humor e alegria, e que ainda hoje é celebrada, é o Purim. Realiza-se para comemorar o Decreto de Amã, o qual libertou o povo judaico do jugo Persa. Isto aconteceu graças a Esther e Mardoqueu, ficando Mardoqueu a simbolizar o bem, e Amã o mal. Pois deve-se comemorar esta festa na alegria total, ajudado com as bebidas alcoólicas, até ao ponto de já não se conseguir destrinçar entre o bendito Mardoqueu, e o maldito Amã. Nesta festa utilizam-se também as máscaras, e demais jogos humorísticos de convívio social e de reinversão dos valores do Mundo.
A Festa é um dos elementos fundamentais de todas as religiões ditas primitivas, e o judaísmo pode-se incorporar em parte neste âmbito. A sua base não surge como ruptura intelectual ou de revelação, mas como desenvolvimento evolutivo e natural do monoteísmo. Este Deus criado à sua imagem e semelhança, tanto sabe rir como castigar. A religião judaica desenvolveu-se numa estrutura aberta de diálogo com a evolução histórica, encerrada contudo numa estrutura de regras divinas, ou seja, irreverente mas respeitosa às regras impostas.
Não foi uma religião que se impôs, mas que germinou, e por isso sempre se pode rir de si própria. Esta é talvez a grande diferença com as outras duas religiões monoteístas que nasceram neste médio oriente, tendo por base a história judaica, mas querendo impor-se como uma nova revelação divina.
O Riso e o Cristianismo
Assim, continuamos a encontrar o sistema humorístico na raiz do Cristianismo, porque Jesus, como judeu que era, usa as velhas fórmulas dos profetas e rabis - a metáfora e a parábola com componentes humorísticas: «É mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus» (um exemplo entre outros).
É certo que os diversos Profetas que pontuaram a história do Judaísmo antes de Cristo nunca vieram sempre como repreendedores do caminho seguido pelo povo eleito. São Profetas de maldição e desgraça. O humor filosófico, a ironia moralista surge mais nos momentos de paz, de tranquila evolução da religião.
Jesus não surge nessa violência castigadora. Terá seus momentos de revolta, com a expulsão dos vendilhões do Templo, etc…, mas essencialmente é um “filosofo” de harmonia, um pacificador de almas. Essa a desilusão dos Judeus que o queriam como um Messias guerreiro, que viesse pelos assuntos materiais e não espirituais.
Os evangelistas, quando descrevem a vida de Jesus, fundamentam-se em preposições metafóricas, como a reversão do Mundo, um dos elementos característicos do realismo grotesco, que imperou como humor até à Idade Média. Como exemplo, ver um menino a ensinar os adultos (Jesus no templo a ensinar os Doutores), fazer metáforas de reinversão («os primeiros serão os últimos, e os últimos serão os primeiros»), ou deformar os valores de glória e humilhação, em que Jesus como Cristo, Salvador e Rei alcança a glória o triunfo para todos nós através da humilhação, escárnio, flagelação, crucificação como um bandido.
O Cristianismo usa então os contrários, não como um contra poder político, mas numa fórmula de fazer-valer a mensagem, de se sobrepor aos poderes de então. Mais tarde usará também este jogo de contrários, como metáfora de contra poder espiritual, e face a Deus estará o diabo, assim como para o poder face ao rei estará o bobo, e face aos políticos estarão... os cartoonistas (?). Esta fórmula de irreverência e humor é uma regra regularizadora da sociedade para que esta tenha consciência de até onde vai a ordem e o interdito. Em judaísmo, até onde pode ir a irreverência e o respeito.
Nos Evangelhos nunca falam de um Jesus que sorriu, ou riu, como qualquer homem, já que ele apesar de “filho de Deus” encarnou como homem, e como tal teve todas as características humanas. Só que essa faceta humana, como muitas outras nunca interessou na estrutura de marketing do lançamento da nova religião.
Na mesma estrutura ausente está o papel da mulher que durante a vida de Jesus estiveram sempre presentes, e que depois a Igreja tentou anular a sua força. Entre os seres humanos a Mulher é quem tem mais facilidade no sorriso, no riso, como consequência desse sexto sentido da vida que falta um pouco aos homens. Eles são a brutalidade, a seriedade, enquanto que a mulher é a tolerância, a sensualidade o humor refinado.
Como já referi, a Festa é uma estrutura comum a todas as religiões de índole natural, com estruturas simplistas e de raiz primitiva. O Cristianismo, surgindo como reformulação de um pensamento religioso, e desenvolvendo-se na base da pregação, da conquista de um espaço espiritual e geográfico, é de índole colonizadora. Onde se instalava procurava fazer desaparecer as estruturas religiosas aí existentes, cristianizando-as ou perseguindo-as. Dessa forma, desde muito cedo procura combater a Festa, a alegria, o humor. Assim, encontramos em Tertuliano, Cipriano, São João Crisóstomo... pregadores de um cristianismo distante do riso, já que este é um elemento satânico. O cristão fundamenta a sua religiosidade no arrependimento, na dor para expiar os pecados.
De todas as formas, como neste artigo quero falar do riso de Deus e não dos Homens, como Deus Cristão é o mesmo Jeová do Judaísmo, já foi provado que ele Ri, mesmo que queira silenciar o riso de Jesus, aquele que clama “amai como eu vos amei”, quando não pode haver amor sem felicidade, sem um sorriso de cumplicidade, um riso de liberdade.
O Riso e o Islamismo
Da mesma forma, sendo Allah apenas outra designação de Jeová, também já verificamos que Allah riu nos seus primeiros tempos.
O Islão tem na sua origem não só a história da religião judaica, como a tradição dos povos semitas de filosofar a vida com provérbios, com sentenças irónicas, onde o cómico tem a função de abrir a mente à crítica.
Maomé não é Deus, apenas um Homem que, como outros Profetas “recebeu” a mensagem. Não segue a via de Jesus como pacificador espiritual, mas alguém que quer intervir profundamente no campo material. Há testemunhos de que ele ria, de que usava o cómico nas suas críticas, e numa das suas sentenças ele pregou: “Alegrai os corações, instante a instante porque quando os corações estão pesados, eles cegam!”
Não é fácil descortinar as ironias nessa transmissão do pensamento de Maomé, já que a língua árabe de então era ainda muito pobre de léxico, estava na fase de transformação para a escrita, dificultando o desenvolvimento de metáforas, alegorias…
O Islão desenvolve-se como uma guerra para se impor no seu território como forma de conduta, como imposição política. O Islão tornou-se numa sequência de regras de vida, e de guerra santa, de conquista de uma nação temporal / espiritual, tendo como dinamizador o poder temporal dos Califas.
Maomé a sua educação no Judaísmo, e ao querer combater o politeísmo do seu povo, resolve entrar em ruptura com uma estrutura que não o apoia no início da sua revolução. É curioso que o Islão ao ir procurar a sua raiz em Abraão, não o faz através de Isaac (aquele que Rir-se-á), o filho natural, mas em Ismael filho de uma escrava. Pode ler-se aqui uma metáfora da sua posição face ao Humor?
Ele vai-se apoiar nos Cristãos, como força de estabilidade política. Contudo, mesmo com estes acabará por se incompatibilizar. Do Humor inicial, passará à intransigência, podendo rir-se, mas cortando a cabeça a quem se ri dele.
O Islão triunfa na exegese da revelação realizada pelo próprio profeta, e pelo Dogma. Essa forma de ver o mundo incompatibiliza-se com a irreverência, o humor? Na surata LXXXX está escrito: “… ai ver-se-á faces brilhantes, rindo alegres, /…/ São os infiéis.” Uma contradição grave à surata anteriormente referida em que Maomé quer os corações abertos para não cegarem.
Logo após a morte do Profeta, a questão temporal sobrepôs-se à espiritual, entrando os seus descendentes em quezílias de poder, dividindo-se em facções políticas.
Algo curioso é que todos os Califas que lhe sucederam acabariam por se celebrar pelo uso do pensamento humorístico nas suas sentenças. Há vários livros com os relatos dessas sentenças, dessas metáforas que entraram na tradição como fontes de sapiência islâmica.
CONCLUSÃO
Se o Cristianismo prega a tolerância, a paz, em breve se tornou intolerante como conhecimento que não domina, combatendo o pensamento que não controla, demonizando a irreverência, o cómico, a festa.
Será duro o convívio entre a igreja e as tradições da Festa, assim como com a irreverência cómica. Foram necessários séculos para os cristãos reconquistarem perante os Senhores da Igreja o direito á liberdade do riso. Politicamente foi a luta pelo direito à liberdade de expressão e pensamento.
Curiosamente as origens do “cartoon” gráfico estão na guerra entre Cristãos. Foram os discípulos de Lutero que utilizaram pela primeira vez a gravura para fazerem sátiras politica religiosa contra o Vaticano. Naturalmente houve contra resposta gráfica. Desde aí o cartoon passou a ser o mensageiro dos insatisfeitos. Como no Judaísmo e no Islamismo a imagem sempre foi preterida à palavra, e nesta que o humor possível se desenvolveu.
O Judaísmo no seu êxodo de povo perseguido, desenvolveu o humor como espírito de sobrevivência contra a dor, contra as agruras do quotidiano. Não é por acaso que a maioria dos comediantes e humoristas americanos são Judeus.
O Islamismo, como Império triunfador na sua “guerra Santa” desenvolveu a arte de usar a espada numa mão e a tolerância na outra. Conquistados os territórios, islamizadas as bases, desenvolve a tolerância como aproveitamento do conhecimento, como enriquecimento das potencialidades filosóficas e científicas dos seus governos. O islamismo foi o motor científico do mundo, como recuperador e dinamizador do conhecimento clássico, onde a irreverência humorística é aceite como elemento intrínseco da evolução do conhecimento. Na Península Ibérica nunca se viveu tão intensamente a tolerância como no tempo dos reinos das Taifas. O humor é algo intrínseco no povo árabe, mantido ainda hoje na tradição oral dos Amthal, contudo na realidade há coisas que eles não toleram, há tabus, porque são dogmas inquestionáveis que nem o riso nem o pensamento filosófico podem por em questão.
Isto tudo surge na questão de se Deus ri. Isto tudo porque o mundo levantou-se em armas por que alguém riu não de Deus, mas hipoteticamente de um Profeta que parece que vale mais que Deus.
Será que é mesmo importante saber se Deus continua a Rir? Creio que sim, porque espírito que não ri, está morto. Mas o problema não está em deus, mas nos Homens incrédulos. Homens que não riem são sepulcros ocos que só podem trazer um vazio para o futuro da humanidade. Como escreveu um argumentista num filme recente: «O Riso é a mão de Deus num mundo perturbado».
Eu creio no espírito, eu creio na irrevrencenia, eu quero acreditar no futuro, por isso sorrio para a vida.