Thursday, December 24, 2020
Cartões de Boas Festas de 2020 pelos meus amigos cartoonistas portugueses
«A Historia do Teatro de São Carlos é um retrato da sociedade portuguesa» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 15/11/1986)
O teatro de São Carlos foi um produto da burgesia ascendente. E transformou-se num instrumento social e cultural da sociedade dominante. O que explica que, ao longo da sua história de quase dois séculos, o destino da Casa portuguesa de ópera tenha estado sempre ligada aos triunfos e vicissitudes do Poder, usufruindo do seu esplendor, mas sofrendo-lhe igualmente os temporários ocasos. Em todo o caso – ou por isso mesmo -, uma historia fascinante contada por Osvaldo Macedo de Sousa.
O Teatro de São Carlos nasceu da
burguesia e serviu a alta sociedade, seja ela aristocrática, burguesa ou
simplesmente política. A sua existência, como não podia deixar de ser, esteve
totalmente ligada a esta e aos seus problemas económicos e políticos. Dessa
forma, teve grandes momentos de esplendor e periodos de regressão. O São Carlos
viveu ligado a um tipo de regime e,
sempre que este perigou, também o Teatro esteve em risco de soçobrar. O Teatro
de São Carlos foi como que um barometro dessa sociedade.
Tendo sido construido pela burguesia,
que em breve seria nobilitada, teve a sua inauguração (30 de Junho de 1793)
integrada nas comemorações reais do baptizado da princesa Dona Maria Teresa,
futura rainha D. Maria II.
Com traça do arquitecto José da Costa e
Silva, o Teatro é de estilo neoclássico, por via renascentista, de tipo
estrutural Sghizzi-Bibiena. No interior, os decoradores escolheram o estilo
rococó português, tammbém conhecido por estilo D. Maria. A sala é de planta
eliptica, com cinco ordens de camarotes e uma tribuna, o que lhe proporcionava
uma acústica excepcional. Posteriormente, com a deslocação do foco sonoro para
0,55m fora da actual ribalta, com sobreposição acústica da orquestra aos
cantores (o que aconteceu por terem subtraido 1,80m do palco), o atulhamento do
poço acustico (na reforma de 1940) e o alcatifamento da sala, perdem-se muitas
dessas qualidades acusticas.
Para a estreia, foi escolhida a ópera
«La Balleria Amante» de Cimarosa, sob a direcção do maestro-compositor António
Leal Moreira, e os executantes foram os contratados para a companhia desse ano
do Teatro. Os cenários eram da autoria de Gaspar J. Raposo e Manuel da Costa. O
espectáculo foi montado por Francisco António Lodi e André Lenzi, os primeiros
empresários do Teatro.
Assim nasceu o teatro de ópera,
construido com esse fim, mas utilizado essencialmente como local de reunião e
de diversão de uma certa burguesia aristocratizada. Como dia, em 1906, Paulo
Osório - «…um teatro de luxo, um ponto de
reunião quase oficial onde é vergonha não ir quando se tem um nome ilustre…».
Um Teatro que tem acolhido não só ópera, como bailado, teatro dramático,
comédia, circo, concertos, bailes carnavalescos, festanças e ainda
manifestações políticas. Construida pela burguesia e para a burguesia, foi o
grande centro aristocrático onde imperou a divisão de classes e hierarquias.
O São Carlos era uma espécie de clube
onde se comentava ou festejava os acontecimentos da vida lisboeta e do país.
Aqui se ostentavam as novas modas e fabulosas jóias, alardeavam-se os amores de
uns e os desamores de outros. Era um ponto de encontro de tal modo importante
para a sociedade lisboeta que, quando se descurava o seu serviço, ou havia
ameaças do seu encerramento, logo se levantavam os arautos da sociedade. Sobre
isso é interessante relembrar as palavras de Artur Trindade: «…é um meio de que não pode desfazer-se a
arte, a moda, o chic, inclusive… a política internacional. O olhar de uma linda
embaixatriz através das lentes de um binóculo de luxo, e que se vê admirada
pelo seu magnífico colo e pelo rico adorno de brilhantes que ostentava, é um
acordo, um contrato do nosso país com a sua nação; o sorriso de uma linda boca
para um grande funcionário é a garantia de um alto emprego para o protegido.
/…/ Em cada noite de São Carlos fazem-se dez contratos co-comerciais, trocam-se
vinte juras de amor e oferece-se um quarteirão de colares de perolas. Logo, é
necessário e útil».
O espectáculo não se confina à sala,
selões ou corredores, sai para o palco e para a rua. O teatro fomentou o
diletantismo, fez política, criou modas e lutas. As rivalidades eram acesas,
gerando partidarismos, pateadas encomendadas, duscissões, poemas às preferidas,
amores… Juntamento com o Chiado, o São Carlos criou um mundo muito seu.
Como o ensino musical em Portugal sempre
foi descurado, houve que procurar mestres e cantores além-fronteiras, fazendo
assim subir assustadoramente a verba necessária para manter o trabalho em
constante actividade. As despesas foram, naturalmente, sempre a maior
preocupação dos empresários. O São
Carlos, como os outros teatros, subsiste da venda de bilhetes, uma venda que
estava intrinsecamente ligada à capacidade do espaço, à qualidade dos
espectáculos e ao preço dos bilhetes. A capacidade variava consoante os
empresários dêem mais ou menos conforto. A qualidade fará subir os preços em
récitas extraordinárias. Outros artifícios utilizados, foram as lotarias, ou
mesmo a exploração da audição de óperas pelo sistema telefónico, em circuito
privado.
Houve empresários com êxito, houve
falências, mas a historia raramente parou no palco e salas deste Teatro, como
se pode observar pela cronologia seguinte:
1792 (8/12) – Inicia-se a contrução da
Nova Ópera;
1793 (30/6) – Inaugura-se o Real Theatro
de São Carlos;
1796 – É concluido o Salão de Oratórias,
hoje Salão Nobre;
1799 – Levantada a interdição às
mulheres de pisarem o palco (até ao momento os papeis femininos eram
interpretados por “castrattis”);
1817 – Estreia-se Rossini;
1819 – Substituida a iluminação de velas
por azeite;
1820 – Suprimidos seis camarotes da
última ordem e criadas duas galerias;
1828/34 – Encerra as portas por decisão
do rei D. Miguel;
1836 / 79 – Instala-se no Teatro o
cenógrafo G. Cinatti;
1843 – Estreia-se Verdi;
1850 – Instalada a iluminaçãio a gáz;
1854 – O Teatro passa a propriedade do
Estado Português;
1878 – Foi cortado um metro ao palco,
para aumentar o fosso da orquestra;
1879 – Foi cortado 0.80m ao palco, para
aumentar o fosso da orquestra;
1880/89 – Instala-se no Teatro o
Cenógrafo Manini;
1883 – Estreia-se Wagner. Primeira
experiencia com iluminação electrica;
1887 – Instala-se definitivamente a
iluminação electrica;
1888 – O edificio contíguo ao Teatro é
integrado e aí criadas as infra-estruturas de camarins e salas de ensaio;
1890 – Colocada a «cortina de ferro»
anti-fogo;
1894 – Estreia de Puccini;
1897 – O Salão Nobre é remodelado.
Desaparece a separação entre a plateia superior e a plateia geral;
1900 – Baixa-se o local da orquestra em
um metro e ampliado mais 0,50m por debaixo do palco;
1908 – Decorado o Foyier pelo arquitecto
Ventura Terra;
1912 / 20 – Encerra as portas por
decisão da República (sendo por vezes ocupado como Biblioteca, como Sala de
Esgrima, espectáculos de teatro declamado…);
1927 – Os empresário desistem da ópera
em São Carlos;
1928/35 – Período de múltiplas
utilizações;
1935 – Encerra as portas por degradação
da estrutura;
1938/40 – Grande restauro: alteração da
decoração dos átrios e corredores, assim como reconstrução das escadarias com
nova estrutura; o fosso da orquestra fica com mais dois metros de altura e de
profundidade debaixo do palco; atulhado o poço acustico; alcatifada a sala;
1940 (1/12) – Reinaugurado com a ópera
«D. João IV» de Ruy Coelho;
1943 – Comemoração dos 150 anos do
Teatro;
1945 – Ultima temporada com empresário;
1946 – Passa a ser dirigido directamente
pelo Estado, com um director nomeado (Dr. José de Figueiredo);
1969 – Morre Dr. José de Figueiredo,
sucedendo-lhe o Dr. João de Freitas Branco;
1975 – Dr. Freitas Branco é chamado para
funções governativas, e sucede-lhe o Eng.João Paes;
1981 – O Teatro passa a Empresa Pública,
tendo como Presidente de administração o Dr. Serra Formigal;
Uma história com a participação de
grandes figuras das artes, já que se pode dizer que por aqui passaram quase
todos as personagens que marcaram o mundo lírico internacional.
Entretanto a sociedade entrou num
periodo de reestruturação, o mesmo acontecendo com este teatro. O diletantismo
do bel-canto está ultrapassado, a divinização das estrelas é insustentavel
económicamente… Num periodo de democratização e de entrada para a Europa, a
importação perde terreno perante a exportação e, naturalmente o nacional
procura conquistar o seu justo lugar.
Após as primeiras reformas de
democratização e reabiulitação da ópera, feita sob a direcção do Dr. Freitas
Branco a aprtir de 1981, entrou-se numa nova fase da história do Teatro
Nacional de são Carlos.
A profissionalização dos seus quadros, a
criação da sua Companhia de òpera Residente, a oportunidade dos artistas
nacionais mostrarem os seus dotes, sem a castração à má fila, são já alguns
sintomas de mudança.O circo operático dá pois lugar ao espectáculo no palco, à
visão da ópera como uma arte de conjunto de multiplas artes. È a reforma vocal
que a nova sociedade necessita aprender.
Para apoiar esta nova política, o Teatro
está em fase de restauro, tanto a nível de infra-estruturas de apoio, como na
recuperação das qualidades acusticas da sala. Na plateia foi ampliada a caixa
de ressonância, retirou-se as alcatifas, e se fosse devolvido ao palco cerca de
1 metro, encontrar-se-ia o justo equilibrio sonoro entre a orquestra e os
cantores.
Encontrando-se no início de um novo
período, é necessário preparar a juventude para saber apreciar esta arte,
desintoxicando-a das superperfeições de estudo, ou das acrobacias de
especialistas circenses.
Wednesday, December 23, 2020
17th International Cartoon Contest SYRIA 2021
17th
International Cartoon Contest S Y R I A 2 0 2 1
أسماء المشاركين في مسابقة سورية الدولية السابعة عشرة للكاريكاتور
The 17th International Cartoon Contest SYRIA 2021
Regulations
T h e m e s:
Cartoon Section:
Theme: Love (Works with sexual insinuations won't
accepted).
Caricature
Section:
SYRIAN Poet :
Nizar Qabbani (1923 – 1998)
he has pioneer
contributions to the history of the Syrian contemporary poetry .
was a Syrian diplomat,
poet, writer and publisher.
Qabbani is one of
the most revered contemporary poets in the Arab world, and is considered to be
Syria's National Poet.
The contest is open to
all cartoonists all over the world, over the age of 18, regardless of
nationality, religion, gender and education.
N o t e :
1-Each participant
can send 1 work only in each Section
2- A cartoon must
not have won an appraisal at previous competitions
3- The cartoons
must not contain text.
Drawings can also be
made digitally.
A3/ 29X42 CM , 200
dpi, JPG/JPEG and free techniques.
- and the size of each
artwork must not exceed more than 2 megabytes.
name - country -
work number
example: RAED KHALIL-SYRIA
• Deadline: 28/12/
2020
• Prizes: Golden, statue &Certificate
and album
Silver, statue
&Certificate and album
Bronze, statue
&Certificate and album
and 10 Special Prizes.
• Jury members will be
considered as participants in the exhibition
and represent their own
countries.
Their names will be
automatically added to the List of Participants
(They will participate
only in exhibition,
Not in contest (just
honorary participation).
• Cartoons can be used
for any promotion purposes
(Printing, websites,
Newspapers, posters, invitation cards....etc)
without the permission
of the artist and without any payment.
• Cartoons must be sent
to:
syriacartoon@gmail.com
Syria Cartoon
website:
www.raedcartoon.com
Thank you for
participation
RAED KHALIL
مسابقة سورية الدولية السابعة عشرة للكاريكاتور2021
المواضيع
موضوع : الحب
قسم البورتريه
بورتريه الشاعر السوري نزار قباني
الشــروط
يمكن المشاركة بعمل واحد فقط في كل قسم
الصيغة
JPEG،dpi 200
حجم اللوحة 29×42 سم على ألا يتجاوز حجم اللوحة 2 ميغابايت
يكتب اسم الرسام والبلد...
كما مكتوب هنا للمثال فقط
RAED KHALIL-SYRIA
ملحوظة: يجب أن تكون الأعمال جديدة غير مشاركة في مسابقات أخرى
الموعد النهائي: 2020/12/28
ستوزع العديد من الجوائز الذهبية والفضية والبرونزية و10 جوائز خاصة
تستخدم أعمال الفنانين المشاركة في البوسترات
والمجلات والصحف والمواقع الالكترونية السورية
دون إذن مسبق بهدف الترويج دون لقاء مادي
ترسل الرسوم إلى البريد التالي
syriacartoon@gmail.com
تنشر النتائج في
موقع الكاريكاتور السوري
syriacartoon
website
www.raedcartoon.com
شكراً للمشاركين جميعاً
رائد خليل
Caricaturas Crónicas: «Julião Machado um imigrante da caricatura» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 11/1/1987)
Em Portugal ele pertenceu à primeira dissidência ao rafaelismo puro, foi uma nova forma de ironia. No Brasil seria o grande reformador da Imprensa, criando a escola brasileira da caricatura moderna.
Julião Félix Machado é um caricaturista português ou
brasileiro? Uma pergunta de duas respostas verdadeiras.
Natural de Luanda (ou seja, nem Europa nem América,
mas em África), onde nasceu a 19 de Junho de 1863, vem para a metrópole fazer
os estudos, mas, aos espíritos irreverentes, a sátira, a boémia é mais
apelativa que a escola. A boémia levá-lo-ia ao convívio com outros artistas da
irreverencia, nomeadamente com Raphael Bordallo Pinheiro, transformando-se em
seu discípulo. Só que nem sempre os discípulos são cegos seguidores de mestres,
essencialmente quando existe um espírito irrequieto e original, que é o caso
deste caricaturista chamado Julião Machado.
Preferindo uma «visão do humorismo menos caricatural e
contundente», separa-se de Raphael e da sua ironia barroca, para criar uma
ironia elegante com suporte num desenho minucioso e correcto, explorando o
decorativismo gráfico apoiado pela legenda de espírito. Na maior parte dos
casos, o espírito crítico da sua obra radica-se na legenda.
O seu gosto pela elegância decorativa, pela
apresentação de luxo, leva-o a ume experiencia um pouco extravagante neste país
provinciano. Em 1888, em parceria com Marcelino Mesquita, Silva Lisboa e Fialho
de Almeida, funda o semanário «Comédia Portuguesa», uma revista ilustrada de
luxo, à semelhança do que se publicava em França.
Eu falava em extravagância, porque num país onde o
analfabetismo dominava, onde os periódicos tinham dificuldade em sobreviver
pelas tiragens curtas, o lançamento de um publicação de luxo é uma loucura
total, já que não havia mercado para ela. O jornal de barbeiro ou de café ainda
era uma voga generalizada, havendo por isso muito mais leitores do que jornais
vendidos, ou seja, a venda de jornais não cobria as despesas. Apesar de uma
carreira brilhante «A Comédia Portuguesa» só sobreviveu durante um ano.
Em 1891 trabalha ainda para «A Baixa», e neste
primeiro período a caricatura política não foi relevante, havendo um predomínio
da crítica social. Entretanto, foi trabalhando como ilustrador de livros,
essencialmente de Fialho de almeida.
Aqui, neste país de visão limitada, não conseguiu
impor os seus sonhos estéticos, e dessa forma opta pela imigração. Primeiro vai
para Paris, onde trabalha com o pintor Carmon, tentando fixar aí residência, ganhando
a vida como caricaturista. Não é bem-sucedido e, perante este fracasso, opta
por imigrar para a terra do ouro e da cana-de-açúcar, para o Brasil.
Perguntava eu, no início, se ele era português ou
brasileiro? Em Portugal ele
pertenceu à primeira dissidência ao rafaelismo puro, foi uma nova forma de
ironia. No Brasil seria o grande reformador da Imprensa, criando a escola
brasileira da caricatura moderna.
No Brasil, não era fácil viver da caricatura,
principalmente para um imigrante, já que era um país pouco atreito a aceitar o
humorismo como uma crítica saudável. Normalmente até não era nada saudável para
o caricaturista, já que cada desenho podia ser um desafio à sua integridade
física. Por essa razão, em 1905, tenta o regresso a Portugal, mas onde só se
aguenta dois anos.
No Brasil, terra promissora, ele tem trabalho onde
quer, por isso vemos obras suas no «Jornal do Brasil», «Rio Revista»,
«Mercúrio», «Gil Blás», «D. Quixote»… e por vezes funda os seus próprios
periódicos como «A Bruxa» e «A Cigarra» (onde faz triunfar as novas tecnologias
de impressão, revolucionando a imprensa carioca), periódicos fundados em
parceria com o grande poeta Olavo Bilac, Neste novo país, a sátira social foi
companheira da caricatura, como expressão
da sua «independência» perante o caciquismo, a verdade perante o
espírito esclavagista desse país.
«Na sua
expressão verdadeiramente nobre, a caricatura é uma arma da independência, ao
serviço da verdade contra a mentira sempre disforme e ridícula.
O papel do
caricaturista na política, longe de a servir, é o de a revelar, de a exibir sem
máscara, de a desnudar… Não conheço “escolas” de caricatura. Ela é arte dos
rebeldes». (entrevista na Ilustração
Portuguesa).
Esta rebeldia, por vezes, ficou-lhe cara, mas nada o
impediu de prosseguir o seu trabalho, e de revolucionar as técnicas da Imprensa
brasileira. Raphael, quando aí esteve, tinha desenvolvido a litografia, mas
Julião levava consigo as últimas conquistas europeias, como a zincografia.
Por lá ficaria até 1920, com aquele interregno de 1905
a 1907, no qual tentou o regresso. Em 1920, com 57 anos, regressa da sua viagem
migratória, em busca de uma velhice calma na sua terra natal e da concretização
de um velho sonho: ilustrar os «Lusíadas», trabalho que não concluiu, ficando
no Canto IX.
Este artista emigrante foi grande foi grande em
Portugal e no Brasil, seja na caricatura como na ilustração, e se o texto foi
importante na legendagem da sua obra gráfica, ampliar-se-ia para o teatro,
escrevendo diversas comédias dramáticas.
Caricaturas Crónicas: «A DITA DENTA DURA» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 16/11/1986)
Pela boca morre o... e pelo dente se trituram os mundos, primeiro em leves mordeduras de leite, suplantados depois por fortes queixais esmagadores, que transformam as massas num bolo homogéneo, sem queixas possíveis dos triturados. Vinte e oito (de Maio?) são os elementos trituradores, acrescidos de mais quatro, em siso que vai desaparecendo. Dizem os biólogos que a nossa evolução civilizadora os tornou inúteis, e, consequentemente, temos cada vez menos siso.
Quem também não tem esses sisos são as dentaduras, quais postiços vingadores de sentimentos de frustração e inferioridade, tal como os governos que, perante as suas fraquezas, criam as ditaduras trituradoras, sem siso.
«Sem uma ideia o governo / Na craniana espessura / Pois que em pedreira tão dura / Agua mole não entra e fura / Vai agora a toda a pressa / Para ver se se segura / Na mansa cavalgadura / Montar a toda a largura / D. Dicta dicta Dura!» (Nogueira, in Os Pontos, 11/8/1901).
A ditadura é um «estado de graça», sem graça, em que a «situação» é conservada, numa defesa de instituições, instituídas para o caso, no ocaso das ideias... de segurança.
«A ditadura, divorciando as instituições do espírito da nação, colocou-se, para as defender, no meio de um triângulo, cujos três vértices são o governo, a polícia e a municipal (polícia). Pois, meus senhores, no centro d'esse delta nem a própria providência se julgaria segura!» (Raphael Bordallo Pinheiro in Pontos nos ii. 3/7/1890).
A Providência, sem a vidência; deixa-se enredar: na teia dentária, e a ditadura domina o momento, mina o futuro, comportando-se como a estiagem que tudo seca, enquanto o «Zé dorme o sono dos entorpecidos pelo calor, e as pobres plantas (político-partidárias) murcham, sem conseguirem que a atmosfera política lhes traga o aguaceiro da crise!» (J.R. in Charivari, 18/4/1896)
Muitas foram as crises, e não poucas as ditas, mas na nossa História recente, a que esteve mais dura de roer foi a de 28, uma espiga de maio vinte e seis, com um pronuncio de cárie nos dentes de leite sidonistas, a dezoito. «Mussolini -Então é esta a traquinas da sua filha (a República)?»
«O Zé - Sim, Sr. Duce, mas nasceu
enfezadinha:..»
«Mussolini -Porque não lhe dá o meu xarope
fortificante?»
«O Zé - Deus me livre. Já tomou uma xaropada dessas em 1918 ia morrendo!» (Stuart Carvalhais, in Sempre Fixe. 25/11/1926).
Não lhe serviu de lição, e em 26 é servida uma nova xaropada, desejada por muitos, mas logo temida por quase todos - «Ó Maria, afianças a melancia (ditadura)?»
«- Sei lá, não estou dentro dela...»
«- Então, o melhor é calá-la, que de resto, o calado é o melhor…» (Stuart Carvalhais, in Sempre Fixe 2/9/1926)
O Calado não teve oportunidade, porque teve mesmo que se calar, como a maioria, por impotência, por censura - «Na impossibilidade de desenharmos e escrevermos no Diário do Governo, teremos de transformar o Sempre Fixe em Jornal de Modas» (Francisco Valença, in Sempre Fixe, 8/7/1926) - por prepotência e outras potências várias, que logo em 27 «põe a Declaração dos Direitos do Homem no Penhor» (Francisco Valença, in Sempre Fixe; 5/5/1927).
No Carnaval de 33 festejam-se as cinzas dos que nunca estão de acordo por inteiro, os partidos - «Aqui repousam as cinzas dos Partidos Políticos» (Francisco Valença, in Sempre Fixe, 2/3/1933) - e lentamente, morrem as individualidades, cria-se um estado novo das coisas, em monocromia de marionetas.
O estado dos dentes também se vai deteriorando, como os governos; e se os primeiros caem por velhice ou doença os segundos quanto mais velhos e enfermos mais se agarram às pequenas materialidades, numa conservação de saudades de potências.
Tuesday, December 22, 2020
Caricaturas Crónicas: «Leal da Câmara, o panfletário» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 30/11/21986)
«/…/ Porque é
que o riso não seria o estado intermediário entre estes dois estados psíquicos
opostos, ou seja, a conjugação do prazer e da dor, produzindo este fenómeno
bizarro que é o humorismo que, pela alegria, faz aumentar a força vital e, pela
tristeza, produz a amargura que é a expressão da austera crítica, por vezes
mordaz e até panfletária!» (Manuscrito
da conferencia de L.C. em 1912)
E foi-o muitas vezes, na nossa história caricatural,
seja monárquica, como luta republicana, como saudade monárquica, seja como anti
ditadura. O panfletarismo é a expressão mais satírica e mordaz da crítica, e Leal da Câmara reintroduziu esse cunho ácido no humor
dos finais de oitocentos.
Filho de um oficial expedicionário, e de uma
luso-goesa, Tomás Júlio Leal da Câmara nasceu em 30/11/1876 em Nova Goa. Em
Lisboa, já órfão de pai, resiste à Agronomia e Veterinária, para onde a família
o encaminhava, preferindo tratar da «saúde» de outros animais e parasitas,
através do traço microscópico da caricatura, seguindo o seu lema «comentar,
causticando».
Os primeiros desenhos publicados surgem, desde tenra
idade, mas seria a partir de 1896 que a sua carreira tomaria um aspecto mais
profissional, colaborando no «Branco e Negro», em «Os Ridículos», para ainda
nesse ano tomar a direcção do hebdomadário «D. Quixote», de curta duração. Em
97, em colaboração com João Chagas, lança-se na «Marselheza» («Que deveria ser
«República» como o desejavam os seus editores) numa feroz campanha contra o
rei, a monarquia e os políticos decadentes, de um rotativismo gasto e
estagnado. A caricatura, em Portugal, reconquistava o seu espirito de origem
(contra o cabralismo), como panfleto republicano, sendo este já mais maduro e
inteligente.
A «Marselheza» foi um acumular de multas, apreensões…
transformando-se no «jornal de maior
circulação… em todo o Governo Civil», dominado pelo célebre Juiz Veiga, o «novo caricaturista» do nosso
pensamento.
Uma das proibições da censura, foi a retratação
caricatural do rei, mas, como diria mais tarde António Salazar, «os verdadeiros pensadores, os que pensam,
transpõem, sem ninguém dar por isso /…/ todas as possíveis limitações», e
foi o que aconteceu – o chapéu à Mazantini (chapéu típico que o rei usava), e
uma série de objectos, como um barril, umas botas de montar…. reconstruindo a
sua silhueta iconográfica, passaram a simbolizar o proibido (também
reconstruida por uma montagem de caricaturas de seus ministros…).
Entretanto a «Marselheza» foi mesmo proibida,
renascendo com o nome de «Corja» (1898), mantendo-se o mesmo jogo de gato e
rato, mantendo-se as mesmas directrizes, e consequentemente as mesmas
atribulações persecutórias, até que, em outubro desse ano, o Poder não aceita
mais este incómodo crítico, e procura-o para o levar para a prisão e degredo
(sem direito a defesa em tribunal). Avisado por amigos, escapa-se para o
exílio, primeiro em Madrid e depois Paris.
Leal da Câmara e Celso Hermínio foram o período mais
agressivo da caricatura no regime monárquico deste final de século, em prol das
ideias republicanas que se expandiam como esperança de um novo Portugal. Ao
mesmo tempo, foram a primeira revolta ao traço rafaelista, apresentando Leal um
traço simples de contorno, por vezes anguloso, numa perspectiva pré-modernista.
Permanecendo um ano em Madrid e onze em Paris,
conseguiu o êxito que cá não teve, emparceirando com os nomes da caricatura internacional.
O seu contacto com Portugal manter-se-á, em 1899, como
colaborador do «Diabo», para se silenciar depois até 1908, altura em que
reaparece em «O Século».
Regressa do exílio em 1911, porém será já outro
artista, mais maduro, menos irreverente, e logo desiludido. Tenta regressar
como um mestre, que não tem seguidores directos. Expõe, criando uma arte de
expor, faz conferências… Acabará por regressar a Paris, mas por pouco tempo,
devido à Grande Guerra. Regressa em 1915, instalando-se no Porto, criando a
tertúlia de «Os Fantasistas», os quais realizaram algumas exposições, e
editaram um jornal («O Miau»).
A caricatura continuou a ser a sua expressão normal,
colaborando em quase todos os periódicos que aceitavam o seu trabalho. Se o seu
traço bem característico se expandia, já não era o panfletário anti-monárquico,
mas o humorista com intenção de corrigir, de expor o homem perante o espelho do
riso - «saber rir é já alguma coisa, mas
fazer rir os outros é mais do que um talento. É quase uma caridade!»
Acumulando com esta actividade, prosseguirá a carreira
de conferencista sobre o humor, publicidade e decoração; de professor de
desenho industrial; de designer; de pintor e de «protector» da aldeia da
Rinchoa. Tinha regressado a Lisboa em 1920, e em 23 compra uma casa na zona
saloia da Rinchoa / Sintra, para onde se exilará, dedicando-se com especial
carinho ao desenvolvimento desse espaço regional (ainda típico), e a fixar no
papel essas personagens pitorescas que se iam extinguindo com o avançar da
«civilização» urbana. Foi o tempo dos seus quadros de saloios e pierrôs. A alma
revolucionária dava lugar ao eterno romântico que vive inconscientemente em
todos nós.
Em 1937 ainda formaria um novo Grupo dos Humoristas,
mas os tempos não estavam para graças e, apesar de dois anos com alguma
intensidade de conferências, exposições e almoçaradas, foi sol de pouca dura.
Um «último» gesto de irreverência humorística de um mestre que morreria em
1948.
A casa da Rinchoa é hoje a sua Casa-Museu Leal da
Câmara.