Tuesday, February 05, 2019
História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1915 por Osvaldo Macedo de Sousa
1915
Não tenho conhecimento de
outras actividades da dita Sociedade dos Humoristas, para além dos Salões. As
conferências e saraus que o Grupo dizia ter em mente, assim como o jornal, a
Biblioteca, o Museu não passaram do papel. A intenção de agremiar os rebeldes, e indomáveis humoristas,
bohemios e vagabundos, despreocupados do dia seguinte, naturalmente não
resultou, apesar de terem tentado.
Houve meia dúzia de
interessados, mas a falta de mentalidade de agremiação, de espírito de grupo
profissional, aliada à falta de colaboração, participação dos artistas,
divisões internas entre os modernistas e a velha guarda, devem ter sido o
motivo do fracasso e desaparecimento da Sociedade dos Humoristas. Na realidade
não sabemos quando é que a Sociedade se desfez, se chegou a haver uma resolução
para dissolução do grupo. Temos uma total ignorância sobre este organismo, já
que mesmo sobre os salões, as informações existentes não vem da dita Direcção
da Sociedade, mas de elementos paralelos, como Christiano Cruz.
Não sabemos se houve uma
resolução de acabar com a sociedade, já que o que vai acontecer parece ser uma
em hibernação (pelo menos Cardoso Martha manter-se-à toda a vida no seu posto
de Secretário...), que de tempos a tempos foi despertada por um ou mais
humoristas, como em 1920 para a realização do III Salão dos Humoristas de
Lisboa, em 1924... O que sabemos é que cada um continuou a sua vida, cada um
procurou tirar o melhor proveito do seu sucesso, e vender o mais que pudesse
para sobreviver.
Não há Salão dos Humoristas
em Lisboa em 14, nem em 15... Contudo uma das intenções do Grupo era a
realização de um Salão no Porto, e isso aconteceu em 1915. Poder-se-ia pensar
que era a concretização do anunciado por Christiano Cruz, como uma das metas de
uma Sociedade de Humoristas dita Portuguesa, que até agora se tinha cingido a
Lisboa, contudo isso não é verdade. O que aconteceu no Porto, foi uma
iniciativa particular de Nuno Simões, Aarão de Lacerda, Diogo de Macedo e João
Lebre e Lima, homens da cultura (só um era artista plástico), interessados na
promoção cultural da cidade.
O "Diário da Tarde"
(de 26/5/1915) comenta desta forma a organização desta exposição: Realizar uma exposição de humoristas, n' um
tempo como este que corre é empreza pelo menos arriscada em demasia para os
hombros d'um só homem. Mas no Porto, a Invicta
como soe chamar-se lá p'rás bandas da bondosa terra da tripa e do melhor
bacalhau que até hoje me tem sido dado comer - dizia-se pelo Internacional
e no passeio das Cardósas, dizia-se,
portanto, em toda a parte - que era impossível.
Foi n' isto que o dr. Nuno Simões - o chronista refinado das elegancias
modernistas - se mostrou um homem de pulso, que de talento já sabíamos que era.
Assim foi que, juntando-se ao poeta Lebre e Lima e ao escultor Diogo de
Macedo, deu à luz - sem que precisas fossem as nove luas de gestação - o
certâmen que há quatro dias alegra, n' um riso chic, o engommado salão de festas do jardim Passos Manuel.
/…/ O salão dos humoristas, no Porto, honra, sobremaneira quem o
organizou e, muito, os artistas que a elle concorrem.
Inaugurou a 3 de Maio no
Salão do Jardim Passos Manuel a “Exposição de Humoristas e Modernistas”.
Segundo os organizadores tinha como suporte a “ideia de reunir vários trabalhos de modernistas para que o grande
público pudesse conhecer e interessar-se por este delicada arte modernas, toda
de requintes de graça e de capricho” (in Primeiro de Janeiro de 6/5/1915).
Nesta iniciativa assumia-se
frontalmente a preferência pelos modernistas, e não se restringia nem ao
humorismo, nem aos artistas locais. Procurou-se a participação de todos aqueles
que se mostravam irreverentes, não deixando de contemplar alguns conservadores
por amizade. Muitos vieram de Lisboa, e Christiano Cruz mais uma vez estará
presente, com Almada, António Soares, Barradas, José Pacheko, Sanches de
Castro, Stuart. Estarão também representados Amarelhe, Armando Basto, António
de Azevedo, João Peralta, Balha e Melo,
Abel Salazar, António Lima, Carlos Ribeiro, Norberto Correia, Ramos Ribeiro,
Gomes da Silva e Mário Pacheco. Anunciados, mas que não apareceram, ficaram
Manuel Gustavo, Manuel Monterroso, Julião Machado e Leal da Câmara. Convidados,
mas que não responderam ficaram Amadeo de Souza-Cardoso, Correia Dias e Ernesto
do Canto. Manuel Gustavo declinará a partir de agora qualquer participação, com
desculpas de muito trabalho nas Caldas, por doença... Dos que estiveram nas
exposições dos Humoristas só comparecerão 6 artistas, sendo Christiano Cruz, o
Barradas, o Almada e o Sanches de Castro aqueles que nuca faltaram a uma
exposição.
Curiosamente, Amadeo de
Souza-Cardoso, que se iniciou nas artes pela porta da caricatura, mas que
precisamente na altura da criação da Sociedade dos Humoristas estava a dar o
grande salto da modernidade, entrando por caminhos da vanguarda europeia,
prometeu por diversas vezes acompanhar os mais ousados portugueses, mas acabará
por nunca participar. Primeiro porque entretanto abandonou a caricatura,
segundo porque....
A acompanhar esta exposição
realizaram-se as seguintes conferências: “Da Ironia, do Riso, da Caricatura”
por Aarão de Lacerda; “Gente Risonha” por Nuno Simões; "O Claro Riso
Medieval" por João de Lebre e Lima, “A Caricatura Literária” por Martinho
Nobre de Melo; “A Caricatura no Gótico” por J. Lebre e Lima; “A Mulher na
Caricatura Moderna” por João Pinto de Figueiredo... Esta organização conseguiu
realizar de imediato o que os de Lisboa apenas sugeriram, e a razão é simples,
estava entregue a intelectuais, a produtores, e não a artistas irreverentes e
boémios.
Destas conferências, as três
primeiras foram posteriormente publicadas, e destaco a segunda (que serviu de
Prefácio a este volume), já que é a primeira resenha histórica do
Humorismo-Modernismo, escrita por um interveniente desta saga, desde Coimbra.
Em relação à terceira conferência é curioso o epilogo, depois da exaltação do
humor clássico e medieval, encontramos uma visão soturna: Com a renascença o grande riso puro, vibrante, terra-a-terra,
desaparece de todos os lábios para dar logar à casquinada erudita e petulante
do "humamismo". Os humoristas da transição - Ariosto, Rabelais, o
nosso mestre Gil e, mais tarde, Moliére, Cervantes, o pintor Brueghel-o-Velho e
até o próprio Brantôme - são a gargalhada suprema, embora um pouco dolorosa,
dum mundo na agonia.
Oh! o De profundis
inigualável !
De então para cá a alegria torna-se uma palavra quasi sem sentido,
vocábulo inerte que os dicionários - que são museus de palavras - guardam
somente para satisfação de arqueólogos amadores de inutilidades. No dia em que
o homem descobriu o sorriso e a ironia, da sua boca desertou para sempre o
grande riso de outrora.
Hoje, esbofado por cinco duros séculos de marchas forçadas para a
Civilização, nem mesmo esse sorriso e essa ironia lhe restam! Quando tenta rir,
os músculos do facies resistem ao
desejo, cavando-lhe mais fundo a sua tísica grimace
de neurasténico arqui-civilisado; e, se procura ironisar, as palavras
saem-lhe pela garganta com um rangido seco, gritante, agudíssimo, de porta com
gonzos perros.
A crítica aplaude a
iniciativa e a qualidade. Declara-a como Modernista, mas critica os mais
ousados, como por exemplo Christiano Cruz, cujo "Diário da Tarde"
acusa de futurista: O seu impressionismo
exagerou-se por tal forma que já parece aquella morta tentativa de pintura
futurista que foi a delicia desopilante dos frequentadores dos Salons d'Autonne do Paris de ha seis e
poucos seguintes annos.
Sem delongas pela apreciação
de profundidade do modernismo exposto, do decorativismo que se ia instalando
nos poucos modernistas-humoristas, o que será mais interessante de realçar será
a fragmentação de intenções dos artistas.
Na realidade ninguém se entendia, como referiu Stuart, vivia-se em
anarquia, cada um procurava sozinho o seu lugar, e se possível criar o seu
circulo.
Em Lisboa os mais ousados
partiriam para a aventura do Orpheu, para o Futurismo... chegando a adular as
ousadias de Amadeo, mas...
No Porto, mais conservador,
tenta entretanto ser pólo de vanguardas e Nuno Simões organiza um Salão de
Modernismo... Armando de Basto procura contrapor outro logo a seguir. Por não
estar de acordo com aquele crítico, tenta fazer o Salão de Independentes sem
ter conseguido adesões e local. Por outro lado, e acabando por ter o apoio
deste último, Leal da Câmara organiza um outro grupo, o dos
"Fantasistas".
A posição de Leal da Câmara
em todo este processo dos Humoristas Portugueses é bizarra, já que sendo um
profundo defensor da sua criação, estará sempre ao lado. Está em Lisboa aquando
da criação da Sociedade e não participa nela, nem no primeiro Salão do grupo,
por ‘embirrar’ com um dos elementos da organização. Consente participar no
segundo. Em 1915 está a viver no Porto, e manter-se-à à parte da exposição dos
Humoristas e Modernistas, ao mesmo tempo que procura ele próprio criar um Grupo
de Artistas - "Os Fantasistas".
"Os Fantasistas"
pode ser encarada como uma segunda Sociedade não de, mas com Humoristas. Mais
ecléctica, aberta a todos os artistas que desejassem participar no conceito de
arte que Leal da Câmara defendia, é um organismo que se quer mutualista, sindical,
ético…
Se os Estatutos da Sociedade
de Humoristas tinha 9 pontos, a dos Fantasistas era um tratado com 66 artigos,
onde nada ficou esquecido. No Capitulo
1º Da Sociedade e seu funcionamento, o Art 1º diz A sociedade de Belas Artes,
denominada “Os Fantasistas”, tem a sus sede no Porto.
Art 2º - Os fins desta sociedade são:
1º Defender os interesses
profissionais dos que se dedicam às Belas Artes;
2º Promover, entre os
associados, o máximo convívio, relações de cordialidade e auxílio mútuo.
3º Fundar e manter o
“Atelier dos Artistas”, destinado a receber os sócios artistas quando, na
invalidez temporária, ou permanente, se encontrem sem recursos
5º Desenvolver entre o
público o gosto e o critério artísticos;
.................
Capitulo 2º
Dos sócios, sua admissão, deveres e direitos
Art 3º - Haverá quatro classes de sócios: sócios de honra, amigos dos
Fantasistas, sócios contribuintes e sócios correspondentes
Art 4º - Podem ser nomeados “sócios de Honra” todos os indivíduos que
prestem, ou tenham prestado serviços relevantes à Sociedade
Art 5º - Podem ser nomeados “amigos dos fantasistas" os indivíduos
que tenham feito donativos importantes à Sociedade
Art 6º - Podem ser admitidos para “sócios” contribuintes” todos os
indivíduos que se dediquem, ou hajam dedicado às Belas Artes, ou aqueles que,
embora não sejam artistas, se recomendem pelas suas qualidades e ilustração
.................
Artº 9 - Os sócios tem os seguintes deveres:
1º - Observar os
estatutos e regulamentos
2º - Promover, pelos
meios de que possam dispor, o aumento e prosperidade da sociedade;
3º - Servir gratuitamente
os cargos e comissões para que foral legalmente eleitos.
4º - A pagar, jóia e
quotas conforme o disposto no artº. 54, multas e indemnizações em que for
condenado
Artº 10 - Todo o sócio, tendo satisfeito o disposto no artigo anterior,
tem direito:
1º Assistir e a tomar
parte nas conferências, prelecções, exposições e cursos que se fizerem ou
criarem, a consultar os livros e periódicos da biblioteca e a estudar as
colecções do Atelier dos Artistas, observando as disposições regulamentares
2º - A Socorros
médicos...
3º - A apresentar à Assembleia
Geral ou á Direcção quaisquer propostas...
4º - A Ter assento e voto deliberativo nas Assembleias Gerais....
7º - A ser recebido no Atelier dos artistas
Depois desenvolvem-se todos
as regras sobre Da perda dos direitos de
sócio, Da administração, Das Eleições, Do Atelier dos Artistas, num
fastidioso articular de regras, para ser aqui exposto, mas que era importante
para a estrutura sólida que se desejava criar.
Como recordará mais tarde
Diogo de Macedo (1941) “foi nos tempos
da outra guerra, quando ainda não tínhamos reumatismo, acreditávamos nos nossos
semelhantes e gozavamos com a irritação burguesa. Você (Leal da Câmara) chegava
pejado de glória e de projectos do seu Paris do “Assiete au Beurre” com um belo
retrato de Galanis no cartaz, e logo presidiu ao grupo de sonhadores tripeiros,
o Armando de Basto de um lado e este seu admirador do outro, acarinhado como
constato que continua andando, invejável moço, por uma vintena de rapazes tão
iludidos do mundo como nós, felizmente. Lembra-se dos nossos escândalos
estéticos ?...As conferências revolucionárias em pleno salão dos banqueiros...
as turbulentas reuniões em casa de um negociante de pacotilha... as exposições
malditas dos modernistas nos lugares catitas do burgo... a audácia das nossas
criticas, das nossas censuras, do seu espírito humorístico ...?”
Leal da Câmara capitaneava
este movimento, e naturalmente foi eleito Presidente, tendo como Secretários
Armando de Basto e Diogo de Macedo, e como Vogais surgem Joaquim Lopes e
António Azevedo. Para além destes, formavam o grupo o Dr. Manuel Monterroso,
Dr. Santos Silva (dois médico -artistas que de imediato se disponibilizaram
para o numero 2 do Art. 10º), o Advogado Alberto Elias da Costa (que colocou os
seus serviços gratuitos à Sociedade), Gonçalo Pacheco Pereira, António Lima,
Almeida Coquet, Mário Pacheco, Henrique Moreira, Carlos Ribeiro, Balha e Mello,
Júlio Nogueira, João de Morim, Abel Salazar, Henrique Medina, Joaquim Salgado,
Cristiano de Carvalho...
Os fantasistas procuram não
só atrair os humoristas, ou os modernistas da pintura e escultura, mas também
os artistas do design de moveis, do design de tecidos, design gráfico, que eram
então considerados mais como artesãos, que artistas. Os principais objectivos
estéticos do grupo eram “transformar em
acção útil uma parte da arte, aplicando os conhecimentos artísticos ao comercio
e à industria /.../ Importa também fazer ver ao artista o reconhecimento da
necessidade da aliança do artista com a industria, no design, esta a
necessidade imperiosa de defender-se da concorrência, da invasão dos produtos
estrangeiros”. Havia nestes princípios a tentativa de uma «Bauhaus» à
portuguesa, no Porto. O seu campo de intervenção artística queria abranger a
caricatura, as artes gráficas, o cartaz, a escultura, o mobiliário, a cerâmica
e a decoração. O próprio Leal da Câmara criava mobiliário, caricatura,
cartazes...
As suas principais acções
foram a realização de uma exposição, e a edição de um jornal humorístico, mas
isso em 1916.
1915 ficará também marcado
com a obra de um caricaturista, mas essencialmente na História da Banda
Desenhada. O artista é Stuart Carvalhais, e a razão especial é "As
Aventuras de Quim e Manecas".
José Herculano Stuart Torrie
d'Almeida Carvalhais nasce a 7 de Março de 1887 em Vila Real. Desde
o princípio do século em Lisboa, passará pelo atelier de Jorge Colaço como
aprendiz de ceramista, mas seriam os desenhos de humor do mestre que mais lhe
fascinariam, e através da sua mão entraria no jornalismo gráfico. Estará entre
os jovens de a "Sátira", entre as irreverências dos modernistas,
partirá para Paris onde o sucesso lhe sorriu de imediato, mas que o assustou, e
em 1915 está de regresso à sua pacata Lisboa, ao pachorrento jornalismo
lisboeta. Artista de grande poder de adaptação estética, criava segundo o
cliente, podendo ser genial no modernismo, como o mestre do academismo; podia
ser um thalassa ferrenho, ao mais revolucionário republicano; ser anarquista
profundo, a conservador beato. A sua genialidade satírica adaptava-se como que
num jogo irónico, onde ele próprio era espectador de si próprio. Sem ambições
profissionais, era um boémio genial que vivia a vida em liberdade e pela
liberdade. Stuart marcará a República com a sua agressividade satírica, como
marcará o Estado Novo com a sua bonomia feita populismo, reinventando um mundo
de varinas e gatos… Mas isso será mais tarde.
Em 1915 está de novo em
Lisboa, e necessita de ganhar a vida. Para mais casou-se, teve um filho, tem
uma família que sustentar. Uma colaboração que lhe ocorre, talvez influenciado
pelo que viu em França, foi uma página de Banda Desenhada para o "Século
Cómico" (o sucessor do "Suplemento Humorístico d' O Século").
Stuart já tinha realizado B.D.s em 1907: "Aventuras de Dois Meninos no
Bosque"; "Aventuras de Dois Meninos no Planeta Marte";
"Sport Infantil"… A 21 de Janeiro de 1915, no nº 898 de"O Século
Cómico", é publicada a primeira aventura do "Quim, Manecas e o seu
cão Piloto". Não nos interessa aqui se as semelhanças com o "Yellow
Kid", ou com "Max und
Moritz", "The Katzenjammer Kids" são reais, se algumas destas
criação estão na base do seu trabalho, porque desde logo o Quim e Manecas criam
a sua identidade própria. São duas crianças lusas, reguilas, que no bom estilo
português desenrascam-se sempre, e triunfam pela incongruência. Dentro das
histórias entrarão os políticos da época, portugueses e estrangeiros, assim
como a Grande Guerra, que entretanto se instala na Europa, onde o boche será
sempre derrotado pela criatividade dos heróis. Uma constante será o humor. A
primeira série destas aventuras acabam em Novembro de 1918.
Sobre a autoria dos
argumentos existem algumas dúvidas. Acácio de Paiva, o Director Literário do
jornal é apontado por alguns estudiosos como o autor dos textos. Stuart deixou
em entrevista que a ideia da série foi dele, assim como as Histórias. Pode ser
que no início fosse tudo do autor gráfico, como será possível que Acácio de
Paiva terá metido a sua pena pelo meio, para melhorar literariamente um ou
outro texto, para travar de tempos a tempos a anarquia criativa de Stuart… Por
exemplo quando nos anos 30 a
aventura foi recriada sob o titulo "Aventuras do Quim e João Manuel"
de que se conhece os originais, e o que foi impresso, conhecemos a versão
criada pelo Stuart, e a emendada pelo Acácio de Paiva, alterando por vezes em
profundidade o texto. Talvez tenha havido sempre esta colaboração de criativo e
correctivo…???
Acácio de Paiva colaborará
noutras caricaturas, sob o pseudónimo de Belmiro, com poemas satíricos,
ilustrados por Stuart, Jorge Colaço…
Estes heróis têm um destaque
especial na História da BD, já que como refere António Dias de Deus no seu
"Os Comics em Portugal", Stuart
emprega balões, judiciosamente manuscritos com discurso em calão, acompanhados
de onomatopeias, sinais icónicos e sinais cinéticos. Na Europa, tais processos
só se tornariam habituais por volta de 1925 (ou seja 10 anos após), nas HQ de
Alain Saint-Ogan. Estes são elementos fundamentais que caracterizam o que
se considera a BD contemporânea, e Stuart está entre os pioneiros europeus, e o
primeiro em Portugal.
O Quim e o Manecas não são só
um elemento da História, como foram um sucesso de público, que o levou ao cinema
em 1916, realizado por Ernesto de Albuquerque, e em que o próprio Stuart fazia
de pai do Manecas. Foi exibido no Cinema Colossal, e reposto em 1930 no cinema
Chantecler, só que infelizmente não chegou nenhuma cópia até nós. O Manecas
chegou a ser personagem de uma revista em 1916, e nos anos 20 foram figuras de
publicidade à Nestlé, heróis de outras histórias…
Pepe Pelayo is with Ramón Carrillo Gomez. In Miami
Queridos amigos. Ya había anunciado que el 8 de marzo
inauguraré una exposición con mis fotomontajes en la Galería Art Emporium en
Miami. Pues para sacarle el jugo a ese viaje, les informo que el día 28 de
febrero (el mismo día que llego) inauguro también otra exposición, pero esta
vez lo hago junto a las caricaturas de mi amigo Carrillo -también
cubano/chileno y con él varios proyectos casi concretándose-, en Miami Dade
College West Campus, invitado por H(umor) Proyect que dirige mi amigo Mario
Barros. Es la misma exposición que inauguraremos Carrillo y yo en la Casa Museo
de Pablo Neruda en Isla Negra, Chile, el 13 de abril próximo.
Más feliz, imposible, ¿no?
Más feliz, imposible, ¿no?
Pepe Pelayo
Sunday, February 03, 2019
História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1914 por Osvaldo Macedo de Sousa
Antes de prosseguir sobre a
saga dos Humoristas, talvez fosse interessante divagar sobre a utilização do
termo humoristas. Na verdade, durante toda a monarquia, incluindo Raphael se
referiam a este género gráfico com Caricatura, termo que englobava todos os
subgéneros do desenho humorístico. Naturalmente é um influência francesa, já
que nesse campo linguístico a Caricatura tem esse sentido lato. Com a
República, e introdução do modernismo surge a utilização de humoristas, talvez
como tentativa de corte com o passado, e como defendia Christiano, uma nova
postura satírica, mais social, mais contra os sistemas que contra o indivíduo A
ou B. Inclusive alguns dos raphaelistas recusarão o epíteto de humoristas, como
um ofensa, como um modernismo que eles combatiam.
De novo procurando as
palavras do Mestre Christiano Cruz (in “República de 22/5/1914), procuremos
compreender o que estava por detrás desta ‘revolução’ sonhada: “Nenhum desenhador me revelou ainda a beleza
das coisas portuguesas e aqueles que o têm tentado fazem-no com um espírito tão
mesquinho que a sua obra melhor caberia nos arquivos da Torre do Tombo do que
nas exposições de arte pura. As costureiras e as varinas só conheceram até hoje
as aguarelas veneráveis do senhor Macedo.
Por isso, a um artista que se sente bem e que saiba interpretar com
largueza, está reservada a glória de nos fazer amar esses modelos e apagar as
sugestões que as revistas estrangeiras nos trazem. O ambiente inexpressivo que
os meus colegas habitam só os poderá levar ao pessimismo e à neurastenia.
Eu bem sei que o público não sente a necessidade de arte, da mesma
maneira que não sente a necessidade de lavar os pés.
Mas as necessidades criam-se e essa tarefa só nos pode caber a nós,
dada a impossibilidade de mandar o meio, a Paris, educar a vista...
/.../ Façamos arte onde os nossos predecessores só têm feito
arqueologia. Tratemos com largueza os gestos do cidadão Acácio, a vida do povo
e o burguesismo.
Não deixemos estiolar as nossas faculdades, ajudando a viver jornais
pulhas, onde eu já vejo o prognóstico assustador de impotência criadora.
Não façamos crítica, façamos Arte!”
Apesar do
Catálogo do II Salão dos Humoristas
anunciar a preparação do III Salão para 1914, com data limite de entrega
de trabalhos até 28 de Fevereiro, as divergências acentuam-se entre os novos e
os velhos, não se conseguindo realizar o terceiro Salão, como estava prometido.
Inclusive havia projectos, também anunciados neste catálogo, de em 1914
complementar a exposição com uma Secção nova - "A Caricatura em Portugal
antes de Bordalo Pinheiro".
Diz o
anuncio: Constará tal secção de quadros,
desenhos, gravuras a buril, água forte e madeira, antigos jornais de
caricaturas, livros, álbuns, fotografias, litografias, aguarelas, etc.
A direcção do Grupo pede a todas as pessoas que tiverem
quaisquer dos trabalhos supra indicados, em caricatura ou referentes a ela, e
queiram exhibi-los nesta exposição a fineza de o participar…
/…/ A Direcção já tem a adesão de importantes
coleccionadores a quem a ideia foi comunicada, e que concorrem com autenticas
preciosidades para a riqueza e número das colecções a expôr. Havia uma necessidade dos novos em fundamentar o seu
passado, como uma afirmação de um género artístico com uma História de relevo.
Por outro lado é curioso saber que já então havia coleccionadores deste género
artístico. Onde está este material ?
Contudo, não
se realizou o III Salão dos Humoristas em 1914, nem esta retrospectiva
Histórica. Na realidade, de todos os projectos de dita Sociedade de Humoristas,
como a criação de um periódico Humorístico de qualidade, a criação de um Museu
e de uma Biblioteca de Humor, as conferências, a criação de legislação que
defendesse os direitos de autor, o aumento de salário dos caricaturistas… tudo
isso ficou por se fazer. As únicas concretizações foram os dois Salões. Mesmo
estes dois estão recheados de quezílias, seja entre os ditos profissionais e o
amadores, entre os consagrados e os novos revolucionários…
As questões estéticas
acabaram por se sobrepor aos interesses de classe. O jornal “República” neste
ano procurará ser veiculo das ideias dos jovens, publicando algumas entrevistas
com os inovadores, como por exemplo com António Soares a 25/5/1914, o qual
defende-se: Não vejam em nós intuitos
reaccionários de contemporizar com o passado; temos de fazer compreender esses
cavalheiros que Bordallo viveu no seu tempo e nós queremos começar a marcar o
nosso. Por seu lado Jorge Barradas (a 26/5/14) reivindica: “Eu não sou um combatente, e me não sirvo da
caricatura como arma, antes a emprego como fonte criadora de beleza”. Para
Almada Negreiros (27/5) a nossa
sociedade é uma mina de caricaturas /…/ A nossa sociedade não é senão tabaco
ordinário a fingir de fino, numa apresentação bonita. Mais tarde Stuart
Carvalhais (na Ideia Nacional de 6/4/1916) acrescentará: “a vida portuguesa caracteriza-se pelo estado de anarquia... devido -
honra lhe seja - à geração nova. Mas, estamos ainda na primeira forma de uma
acção libertadora: Destruímos... Vamos agora construir!”
Norberto Correia, também em a
"República" (23/5) filosofa: Se
a caricatura, sendo a representação figurada duma imagem didáctica do
pensamento, como parece indicar a sua extrema simplicidade, toma o aspecto
bizarro duma figura esguia, de proporções e linhas patrícias, movimentando-se
em ritmo, - se se corporiza num todo impessoal, pura criação idealizada no
intimo do artista; se impersonaliza as situações, dando-lhes uma feição
abstracta - atinge o carácter filosófico, ponto supremo da crítica e síntese -
o ar conselheiral dos medíocres soprando os ventos do desprezo e irreverência,
e querendo a todo o custo impor a mediocridade como fundo nacional - aponto-a
como estrangeira.
Artista assumidamente
estrangeirado é Correia Dias
Fernando Correia Dias de
Araújo é natural de Penajoia (1892), e viria a suicidar-se no Rio de Janeiro a
19/11/1935. Palavras de Virgílio Ferreira descrevem-no como o mais fino, equilibrado e inteligente
artista que tem produzido a geração (in
“A Águia” 1914 pág. 121). Foi o artista que em Portugal se assumiu pela
primeira vez na plenitude como designer, inclusive com anuncio na revista “A
Rajada” (1912) de que era director Artístico, disponibilizando-se a fazer caricatura, desenhos - Cartazes; vitrais;
Capas de Livros; Pastas; Ex-Libris; Piro-Gravuras; Móveis; etc. Desenharia
também monumentos fúnebres, cerâmicas, tapetes… Ele conjugará a "síntese
modernista" na caricatura, com um pouco de "art nouveau" no
design de interiores, um pouco de "arts and crafts" na gravura, no
ex-libris…
Deixaria obra impressa em “O
Gorro”, "A Farça", “A Rajada” (de que foi Director artístico), “A
Águia", "Limia", "Ilustração Portuguesa"… Do Grupo de
Coimbra apenas Correia Dias se assumia de imediato como artista, com projectos
de futuro.
Nunca tendo abandonado Coimbra,
em 1913 começa a preparar uma exposição no Rio de Janeiro, a qual foi sendo
adiada, e em 1914 faz essa mesma exposição em Lisboa, partindo então com ele
para o Brasil, e aí ficará.
Uma carta sua de 14/6/13 para
Luíz Filipe, ele diz: Tenho trabalhado
bastante, para a minha futura exposição no Rio de Janeiro. Já conto 54
trabalhos, e conto partir em seis de Junho, se a saúde, a essa data… É que eu
conto levar 100. Queria falar-te da minha ida, das condições para vencer no meu
futuro, que vejo bem risonho. Mas é impossível aqui. /…/ Têm-me feito um
enormíssimo reclame nos jornais… Para tu fazeres uma ideia ouve estas palavras,
que vinham num longo artigo, escrito por Carlos Maiel… "que tem diante de
si, a acenar-lhe, não muito longe a mão florida e criativa ante o triunfo que
há-de coroa-lo como se coroam os heróis antigos". Não sei onde foi publicado este artigo (mas
creio que será referente a uma pequena exposição de caricaturas que realizou
nesta cidade), mas ele partia já com alguma certeza de triunfo, pois pede na
mesma carta um desenho a Luíz Filipe para
figurar no meu futuro Atelier, no Rio.
Mas enquanto esperava partir,
se a saúde… ele tinha sido convidado para ser Director Artístico de um jornal
em Castelo de Vide (seria a "Terra-Mãe" que a Ilustração Portuguesa
apresenta o esboço de capa ?), como ele diz nesta carta, encomendando trabalhos
a Luíz Filipe, contudo creio que esse jornal acabou por não se publicar.
De todas as formas em 1914
encontramos uma exposição sua em Lisboa, no Salão da Ilustração Portuguesa.
Relata esta revista (a 9/3/14), Antes de
ir para o Brazil, quiz Correia Dias, o artista de Coimbra que com A Rajada firmou os seus créditos de
ornamentista exímio nos segredos de fazer rir o vasio das páginas e o vasio das
paredes, dar uma amostra rápida da obra que se propõe levar Além-Atlantico. /…/
Modelando, fazendo charge ou
deixando-se tentar por esta arte novíssima de requintes que é o desenho dos
corpos feminis. Agora mais que nunca embriagando os olhos dos artistas de
ineditismos, cursos e graças entresonhadas, o artista tem sempre em mira, ao
mesmo tempo que satisfaz a sua sensibilidade, prender a dos outros no encanto
do colorido e da estilisação graciosa das mais difíceis ironias e dos grotescos
mais contundentes….
Virgílio Correia em A Águia
(Março 1914), comenta desta forma a exposição: Quem percorre a exposição, seguindo aquele série de quasi cem quadros,
notará facilmente uma acentuada diversidade de processos e traços. /Tudo na sua
arte é ligeiro, transparente. Até quando magoa o faz com elegância, com linha,
sem descompor as figuras em contorcionamentos borrachos de indivíduos alçados
sobre botas de palmilhas bocejantes. /…/ Correia Dias tem além disso, quanto a
mim, a grande qualidade de apreender em cada cousa o que ela tem de original,
por vezes obscuramente artístico, e de o apresentar como uma revelação. Isso se
nota tanto nas caricaturas pessoaes, como nas outras, nos barros e
especialmente nos desenhos de cousas regionaes. /…/ uma série enorme dos
quadrinhos ligeiros, pequenas obras primas de frescura, desenhadas a traço
miúdo… é uma obra diáfana de um decorador consumado…
Pelo catálogo editado podemos
ter uma ideia do que expôs, e curiosa é a existência de um desenho que se chama
"Sinto-me cubista" (a par de uma auto-caricatura cubista de Leal da
Câmara estas serão as primeiras obras daquele género a serem expostas em
Portugal). Havia também a "Caveiricatura de Leal da Câmara" em barro,
como caricaturas de Cristiano Cruz em papel e barro… O Prefácio é do Doutor
Teixeira de Carvalho: Mesmo quando ele
tenha 20 anos só, é difícil de caracterizar a obra de um caricaturista.
A caricatura é a última conquista da arte. Tudo nela é complexo e novo,
desde as mais altas aspirações sociais contemporaneas de que tem sido o arauto,
o mais rude combatente, a interpretação artística consagrada, até ao seu modo
de ver e de sentir especial, aos seus processos de realisação; tudo é hoje
novo, nesta formula d' arte, velha como a humanidade.
A todos fascina a caricatura: desde a criança que, de lábios abertos
num sorriso suspenso e malicioso, segue com o olhar brilhante o carvão com que
vae traçando devagar na primeira parede os seus ingénuos esboços de organização
e de vida, até aos artistas de mais originalidade e de mais subtil pensar.
A caricatura é a ironia. E a ironia é a mais alta expressão do
pensamento moderno.
Correia Dias é, como todos os espíritos modernos, um ironista, sem
securas didácticas, enternecido. Admirando os seus desenhos, vê-se que as suas
personagens foram surpreendidas a viver e que a vida delas o interessou tão
intensamente que não poude deixar de comunicar o seu enternecimento, a quem lhe
admira a obra.
Creou-se sem mestre, em plena liberdade da admiração da natureza. É um
temperamento original e próprio.
/…/ Desta adoração da Vida, que na obra de Correia Dias se encontra no
mais pequenino detalhe, vem a sua variedade constante de linha, forma e cor.
Correia Dias não tem personagens fixas, manequins, fórmulas a que põe legendas.
E não tem também traço certo. O seu traço vive. Acentua-se, vinca a forma, ou
atenua-se, acariciando-a.
É variado o traço, como a côr, que vae desde as maiores brutalidades de
alguns caricaturistas modernos, até a elegância de perfume dos aguarelistas
japonêses.
/…/ A Arte é, qualquer seja a sua forma, essencialmente decorativa. E
da admiração da natureza nasce a obra d'arte, para viver no meio dela vida a
par de glorificação recíproca. É mais bela a estátua quando a ilumina a luz do
sol, quando se recorta no fundo azul do céu.
O encanto sem egual dos soberbos jardins do renascimento vem lhes de
neles viverem de mãos dadas a Natureza e a Arte, sua irmã mais nova.
/…/ Os maiores artistas são por isso também os maiores decoradores e d'
isso tiram orgulho. Puvis de Chavanne, Besnard, Rodin, Wagner…
A caricatura sofreu a mesma evolução. Os grandes caricaturistas
tornaram-se decoradores. E assim nasceu com Villete e Cheret o cartaz, a
alegria a decoração da rua.
E há cartazes de mais conhecida influencia na historia da humanidade do
que o de veneradas obras primas de arte de todos os tempos.
Nos cartazes, revela Correia Dias todo o senso decorativo que se
encontra nos seus moveis de uma linha tão moderna, dentro do conforto e longe
das originalidades de mau gosto nos caprichos artísticos correntes.
A sua obra é toda de elegância e distinção.
Neste mesmo ano de 1914,
Correia Dias parte para o Brasil, onde se radica, e segundo os Historiadores de
Arte Brasileiros, um dos introdutores do modernismo. Desenvolveria a
Caricatura, como as artes decorativas, onde se realça a recuperação da cerâmica
de inspiração Marajoara. Casar-se-ia com a poetisa Cecília Meireles, e apenas
regressará a Portugal em 1934. Suicidar-se-ia após o regresso ao Brasil.
A História da Caricatura
Brasileira, de Herman Lima recorda-o desta forma: A actividade do artista português no Rio foi sempre, desde os inícios,
intensa e da mais alta categoria, não só em revistas e jornais como também
noutras publicações recentemente lançadas, não raro sob seu sinete artístico em
chamariz.
/…/ Seu prestigio nas rodas intelectuais da cidade era grande, pelo seu
feitio profundamente cordial e por sua fina sensibilidade, donde sua rápida e
definitiva adaptação à vida brasileira, que lhe forneceria, com o tempo, o mais
rico filão à inspiração e à arte, com o aproveitamento de motivos
maravilhosamente decorativos da nossa fauna e da nossa flora, muito da sua
predilecção e especialidade.
/…/ Como observa Ruben Gill, "há que admirar o oleiro, o
ceramista, o pintor de porcelana, o lavrante da prata, o escultor de madeira;
aquêle a afeiçoar o ferro batido e imprimir matizes a fogo no couro; o
decorador mural; desenhista de bico-de-pena; água-fortista; autor de charges a
nanquim; caricaturista a aguarela e mestre encadernador. A sua obra, vasta e
perfeita, ficou representada no Brasil em colecções de jornais e revistas, nos
volumes de prosa e poesia, em galerias de particulares e de instituições, e até
em construções para as quais executou cerâmica arquitectónica - fontes, portões
e azulejos. Há residências no Rio, onde se conservam e exibem com orgulho,
bonecas de feltro, tapetes, sombrinhas, abat-jours, exemplos da maestria de
Correia Dias em arte aplicada."
Emmérico Nunes será outro
artista que realizou uma retrospectiva da sua obra neste ano, em Março. A exposição
chamava-se "Arte e Humor", conciliando desenho humorístico com
pintura de paisagens, razão porque tinha como subtítulo Pintura e Caricaturas.
Emmérico Hartwich Nunes, como
já vimos foi uma figura importante neste movimento modernista, apesar de
fisicamente estar ausente. Natural de Lisboa (6/1/1888), é filho de pai
português e mãe alemã, numa família ligada às artes (seu pai às artes
plásticas, e sua mãe à poesia e música e pintura), cedo manifestou as suas
tendências artísticas. Como ele escreveu na auto-biografia: Aí por volta dos maus 10 anos, um dia
comprei um copiógrafo e, de colaboração com um dos meus primos, que também
tinha jeiteira para o desenho, «editamos» um semanário humorístico a que demos
o nome de Risota. Esse semanário de
quatro páginas era desenhado por nós dois, e com prosa da nossa autoria:
crítica de assuntos familiares, de política nacional e até internacional.
Enquanto a sua mãe o apoiava
nas suas paixões humorísticas, assinando "A Marselheza", "A
Corja", "A Paródia" (ele confessa nesta biografia a sua paixão
por Raphael e Leal da Câmara), assim como revistas alemãs de humor como o
"Fliegende Blater" de Munique", o seu pai impunha-lhe um curso
comercial.
Depois de grande luta, em
1904 consegue matricular-se nas Belas Artes, e seu pai para testar seu valor
consulta o Mestre Malhoa, que o aconselha:
Acho que faz bem em tirar o pequeno da Escola e se pode mande-o para Paris.
Aqui estará 8 anos a marcar passo, em Paris o ambiente e os métodos de ensino
são outros e se ele souber aproveitar farão dele um artista em metade do tempo.
Em 1906 segue ir para a cidade luz, onde se manteve até 1910. Em 1911 segue
para Munique, onde inicia a sua carreira de humorista no jornal
"Meggendorfer Blatter". Em 1914, devido à Grande Guerra muda-se para
a Suiça (Zurique), mantendo a colaboração com aquele jornal alemão, e
realizando diversas exposições de pintura e caricatura. Só regressará a Lisboa
em 1918, ou seja todas as exposições: Salão Livre de 11, Salões de Humoristas
de 12 e 13, exposição individual de 14, nunca teve a sua presença física. De
todas as formas as suas obras, seja nas exposições, seja em jornais tiveram
sempre grande impacto na juventude modernista, carente de fontes
além-fronteiras.
No âmbito político
internacional, eclodiu a guerra na Europa. Portugal desde logo se viu dividido
entre os que defendiam a neutralidade, e os que optavam pela aliança com a
Inglaterra e França. Estas quezílias estavam também interligadas com as
divisões entre as opções partidárias. Afonso Costa, defensor da nossa
intervenção, era o político mais odiado e amado.
O confronto
monárquico-republicano vinha de longe, e se Outubro de 1910 foi a derrota de
uns, a vitória de outros em breve degenerou numa corrida ao poleiro (Enquanto os galos - Afonso e Almeida - se batem, o pavão - Bernardino - governa sentindo cordealmente, de dentro da
alma e do topo do seu poleiro o desejo de que se matem um ao outro. Stuart
in "Papagaio Real" 1914), destacando-se nessa corrida, históricos
como Brito Camacho, que fundou a 'Lucta'
e só para ela vive. Para greves tem graves soluções, ironia e artigos de
escacha; um António José d' Almeida
médico e ministro do interior da gente e da nação. A eloquência e a ordem. E se
não houver ordem, há no Carmo o Zás e Zás traz Paz; etc… e o Afonso Costa, o Pombal do Terreiro do Paço (Joaquim
Guerreiro in "A Sátira" 1911)...
Os monárquicos farão de
Afonso Costa o bode expiatório de todos os males da Republica - Afonso no poder qual Czar repoltreado / O
povo já não ri, já não trabalha e canta / n' este terror da Europa à beira-mar
alçado / aonde outrora havia a Paz suave e santa (in "O Thalassa"
1914). Ele encarnava o extremismo republicano, o mal de que Jesus fugiria (Fugiu assim que te viu… Diz a isso que
farto de más companhias ficou ele no Calvário… Stuart in "Papagaio
Real" 1914); o 'Scarpia' que aterroriza; o 'Pombal' que tudo reforma,
alterando a pacatez dos direitos consuetudinários; é o estadista dos superavits,
da ambocada, do ópio de Macau, da separação… (in "O Thalassa"
1914); a demagogia republicana, em o Milagre do santo - 1º quebra a bilha… das
promessas nas costas do Zé enganado; 2º falando aos peixes… espadas (polícia) para encherem a barriguinha aos pobres
(Alonso, in "O Thalassa" 1913).