Friday, June 24, 2011
Centenário do Turismo de Portugal Por: Osvaldo Macedo de Sousa
(Texto do catalogo do XIV Salão Luso-Galaico de Caricatura Douro 2011 - Uma organização Dopuro Alliance)
O paradoxo é um velho companheiro de viagem do quotidiano e, é nessas curvas do pensamento que se encontram as pontes das invocações, comemorações e memorandos.
Na sua essência, o Homem é um viajante, um nómada de geografias e culturas, um internauta na conquista de impérios. Portugal é um país de caminhantes, primeiro como beco sem saída de migrantes, depois como porto de partida de sonhadores, aventureiros que redescobriram rotas, reencontraram continentes, conquistaram mercados. Viajamos na vida como se o mundo fosse uma eterna incógnita, nostálgicos com oetéreo passado (para o qual criámos o conceito: saudade) e temerosos com o futuro, na eterna esperança de que das brumas matinais nos venha o alento de sermos Sebastiões.
Comemorar cem anos de turismo em Portugal, país com mais de oitocentos anos de diásporas várias, pode parecer um paradoxo mas, se referirmos que viajante e turista são conceitos díspares, a questão já se apresenta noutra perspectiva. Viajantes sempre houve, mesmo depois da sedentarização das sociedades, já que o prazer da aventura, a necessidade de vencer na vida levam às migrações individuais ou de grupos. A história é um relato de movimentações militares, de trocas comerciais, não esquecendo as peregrinações e evangelizações religiosas.
Os Gregos e Romanos foram os primeiros a publicar Guias para os viajantes, com as indicações dos melhores caminhos, hospedarias, termas e um ou outro edifício curioso. Dinamizaram, para além das movimentações politico-económicas (mercadores, militares, cobradores de impostos, burocratas), as viagens de prazer religioso (onde as Olimpíadas e outras manifestações desportivas estavam incluídas), assim como as terapêuticas com o desfrute do termalismo.
Na Idade Média e Idades posteriores há muito mais transumância do que se pensa, já que a vida assim o exigia, sem contudo haver uma verdadeira arte de viajantes pelo prazer. Seria apenas no séc. XVIII que os ingleses recriariam o culto do termalismo e inventaram o “Tour”, como ponto final na educação dos jovens aristocratas. Este “Tour” consistia na viagem de “fim de curso”, cerca de um ano em digressão por vários países, para, dessa forma, aprenderem a dimensão da geografia humana, da história e do futuro, como herdeiros do Império Britânico que eles eram.
É com este “Tour” que nasce o conceito de Turista - o viajante que vai a certos locais predefinidos para visitar os pontos turísticos. Estes monumentos e locais já existiam e viviam para além dos visitantes mas, ao ser-lhe adoçado um “significante” cultural, histórico, paisagístico, ao serem destacados por especialistas em Guias, como pontos referentes, passaram a viver como “lugares turísticos”.
A arte de ser turista é seguir as rotas recomendadas, cumprir as etapas obrigatórias, mais que não seja para as fotografar rapidamente, para desfrute posterior no calor do lar. Claro que há vários tipos de turistas e alguns deles preferem manter-se viajantes e entranharem-se na vida que espreita para alem da esquina monumental.
Foram pois os ingleses que, no seu conceito imperialista, se transformaram em “Tour-ristas” do mundo, e o primeiro Guia sobre Portugal é o “Murray’s Hand Book for Travellers in Portugal”, de 1855.
No nosso país, as viagens eram difíceis, visto não haver uma rede de caminhos organizados a nível nacional, preferindo-se usar a navegação por cabotagem ou fluvial. Com a implementação da via ferroviária, as deslocações simplificaram-se e deram impulso a toda uma transumância comercial e de lazer. As viagens quebraram as fronteiras e tornou-se mais frequente a visita de cidades, países estrangeiros, principalmente, no sector cultural. Por serem especiais, muitas dessas partidas mereciam comentários na imprensa. A seguir, veio um trabalho hercúleo de criar também estradas para as novas máquinas que revolucionariam o transporte pessoal, o automóvel (a partir do final do séc. XIX).
Com a revolução liberal, a burguesia ganha o seu estatuto dominante de poder económico, o que lhe permite poder imitar o ócio aristocrático em pequenas doses e, assim a par do “tempo de trabalho”, inventa o conceito de “tempo de lazer”. Essa conquista no mundo laboral levará depois à luta pelas 8 horas de trabalho diário, e ao descanso semanal. O conceito de “férias” para todos os trabalhadores só surgirá muito mais tarde em Portugal. Esse tempo de lazer da restrita sociedade dominante coincide com a redescoberta do termalismo e das suas qualidades terapêuticas, virtudes essas que se alargaram para os banhos de mar. O tempo de prazer, de ócio, passa a ter uma “saison” especial para banhos (em Portugal, normalmente, no mês de Setembro). Aconteceu a partir do momento em que a família real passou a Veranear em Cascais (a partir de 1871). Em 1876, Ramalho Ortigão publica “As Praias de Portugal, Guia do Banhista e do Viajante”. Não era um qualquer recanto de areia junto ao mar que se tornava local de banhos, mas apenas 17 em todo o país, recomendados pelos peritos e que, rapidamente, se escalonaram em sectores sociais de frequentadores.
A caricatura portuguesa, ao longo de toda a sua história, não deu muita importância ao Turismo, talvez por ser algo pouco acessível à grande maioria da população (até à revolução de Abril) e, consequentemente, de pouco interesse para os leitores. O único “turismo” que triunfou foi o dos “Banhos de Mar”. Primeiro como “moda” das classes dominantes, moda essa que se transformou num acto social. Depois, foi-se democratizando com a conquista do descanso semanal, e com apoios como a criação dos “Bilhetes de Banhos” (tarifa reduzida de ida e volta), pelos Caminhos de Ferro, a criação de Colónias Balneares para crianças desfavorecidas... Outro turismo interno que se desenvolveu foi a proliferação do culto dos piqueniques e de excursionismo das Associações Operárias, principalmente, depois da implantação da República.
As primeiras caricaturas dos banhos de mar realizadas por Raphael Bordallo Pinheiro foram paródias políticas, seguidas por sátiras sociais. Só depois se transformariam em anedotas gráficas que, tempos a tempos, um ou outro caricaturista, iam criando no vazio politico-social do verão.
As Termas também se transformaram num momento social, simultaneamente com os aspectos terapêuticos. Contudo, os humoristas quase ignoraram o tema, talvez por não serem frequentadores, ou por não necessitarem. Apenas Raphael Bordallo Pinheiro os aborda, mas como crónicas das suas idas a águas, para se recompor de várias mazelas.
O turismo já estava espalhado na Europa entre as camadas intelectuais e ociosas da burguesia endinheirada. Portugal, não tendo ainda “lugares Turísticos” de referência, era visitado por figuras como Lord Byron ou como por exemplo, a Princesa Rattazzi que, com o seu livro “Portugal à Vol d’Oiseau”, criou alguma celeuma, porque tendo sido recebida com todas as honras na casa da nobreza e alta burguesia, acabou por escrever um livro sobre os horrores de Portugal. Horrores esses que se prolongariam na reportagem que a “National Geographic Magazine” publicou em Outubro de 1910, ou mesmo noutros escritos de alguns portugueses. O português sempre foi um crítico pessimista do seu país não admitindo, no entanto, que venham estrangeiros dizer o que eles já sabem. Até o ícone satírico do nosso povo é um humilde Zé Povinho, saloio, agrícola, atrasado, preguiçoso.
Foi para tentar contrariar esta imagem, tentando promover o “desenvolvimento intelectual, moral e material do país e principalmente esforçar-se por que ele seja visitado e amado por nacionais e estrangeiros”, que um grupo de empresários e intelectuais criou, em 1906, a Sociedade Propaganda de Portugal.
Ao longo do séc. XIX, já se tinham desenvolvido os primeiros passos da dinâmica turística. Para além da lista de praias e termas recomendadas, havia 17 lugares classificados como pontos que mereciam ser visitados, O triângulo Alcobaça, Batalha e Tomar eram os mais recomendados a nível Monumental, mas a existência de Guias “do Viajante no Bussaco”, “Viagem à Serra da Estrela”, “Évora e seus arredores”… dá-nos a entender que a procura desses locais, numa perspectiva turística, já era corrente.
Foi para dinamizar esse mercado que foi criada a Sociedade Propaganda de Portugal liderada, inicialmente por Leonilde de Mendonça e Costa e só depois por Sebastião Magalhães de Lima, deputado republicano, Grão-Mestre da Maçonaria que, daria uma maior dinâmica à Sociedade e que pela sua posição no Partido Republicano, pelo seu trabalho impulsionador de um novo país, logo após a implantação da República consegue captar para Lisboa a realização do IV Congresso Internacional de Turismo que seria o primeiro sobre esta matéria em Portugal. Os anteriores Congressos tinham-se realizado em Saragoça, San Sebastian e Toulouse.
Assim aconteceu, de 12 a 16 de Maio de 1911 na Sociedade Geografia de Lisboa, mas que, na pratica se prolongou depois por mais dias, nas visitas ao resto do país. A organização foi activa, tendo conquistado a mobilização da população para várias acções “espontâneas”, com destaque para o concurso de decoração de montras e fachadas em Lisboa, visita a Vila Franca de Xira com desfiles de carros alegóricos das nossas potencialidades agrícolas e folclóricas, passeios a Cascais e Sintra. Posteriormente, em Junho ainda houve visitas a Viana do Castelo e a terras do Douro, em que a revista “Ilustração Portuguesa” destacou a visita a Vila Real e Vidago. O comboio parou, obrigatoriamente, no Peso da Régua, mas curiosamente não há reportagem sobre essa estadia, nem visita das vinhas e lagares.
Os comentários humorísticos ao Congresso são peças interessantes das quais só transcrevo o «Guia para uso dos “touristes” congressistas” (no Supl. Humorístico do Século de Maio 1911):
1- Levantar às sete da manhã, lavar a cara, querendo, e sahir à rua. N’esse momento estão os caixotes do lixo à porta e podem dosar-se aromas que deixam a perder de olfato os perfumes de Lubín ou de Delettréz. Pena é que não se Vanda ainda para este Congresso extracto de caixote incarnat para deitar no lanço. Lá virá o tempo.
II Ir à Praça do Peixe do Cães do Sodré Halle au Possons. Admirar o asseio das nossas ovarinas, o bom aspecto do peixe congelado e o pittoresco de mercado. Sem ser por mal, levar na cara com o rabo de uma pescada ou de um peixe espada, escorregar, cahir n’uma poça d’agua suja e entornar uma canastra de peixe. Levar uma descompostura d’ uma jovem habitante do Bairro da Esperança.
III – Vir almoçar a um restaurante da Baixa. Aturar os creados malcreados, os garotos de cautelas, os pedintes, comer um bife de sola, um peixe queimado, pagar caríssimo e ainda em cima de ser disfructado pelos indígenas que, em vendo um estrangeiro, o melhor que fazem é rir-lhe descaradamente na cara.
IV – Sahir e ir ver monumentos. Recomenda-se o de Pinheiro Chagas e o que está ao pé da praça de touros e que representa o Morgado de Covas a agradecer uma ovação em Celorico de Baixo.
V – Ver museus por fora. Não vale a pena entrar.
VI – Admirar hábitos da cidade: marafonas passeando à luz do dia no Rocio, saloias com trouxas à cabeça, por cima dos passeios, fadistões encostados a todas as montras, jovens conquistadores no exercício do livre direito de attracção, automóveis a toda a pressa, etc, etc.
VII De tarde jantar (vide almoço).
VIII – Á noite perguntar onde é que há música, music halls, espectáculos que interessem estrangeiros. Não haver. Ir ao animatographo do Borralho, levar uma facada e ir a compor na Misericórdia.
IX – Morrer de aborrecimento.
X- Ser enterrado por conta do Cônsul ,o que sae baratíssimo.
XI – Ir dizer para a sua terra que se divertiu loucamente.
XII – Nunca mais cá volta.»
Foi um momento histórico porque, desse modo, introduzia Portugal na rota de uma indústria emergente. Contudo, toda esta acção, a mais importante foi sem duvida a resposta do Governo Provisório ao desafio lançado pela Sociedade Propaganda de Portugal, ou seja, oficializar esta actividade, o que veio a acontecer rapidamente, pois no dia 16 de Maio de 1911, no acto de encerramento do Congresso, o Governo apresenta a criação da Repartição de Turismo, integrada no Ministério do Fomento. É um acto pioneiro na Europa, já que até aquele momento só a Áustria e a França tinham organismos oficiais de Turismo e a Espanha que tendo sido a impulsionadora dos Congressos, só, passados meses, oficializará o seu Departamento de Turismo.
No Diário do Governo, esta Repartição tem por fim: «a) Estudar o objecto e a conveniência de novas ligações internacionais e marítimas, propor o seu estabelecimento e o melhoramento das actuaes no que respeita a commodidade, rapidez, facilidades aduaneiras, sanitárias, postaes, telegraphicas ou outras, tendo em vista o desenvolvimento do turismo; b) Estudar e propor os meios de melhorar as condições de transporte, circulação e hospedagem dos turistas no país; c) Fazer com oportunidade no país e principalmente no estrangeiro a propaganda necessária para o conhecimento perfeito de Portugal como país de turismo; d) Manter relações, úteis ao turismo de estrangeiros no país, com repartições, associações e syndicatos similares nacionaes e estrangeiros; e) Estudar os motivos de turismo existentes no país e criação de novos motivos como base de serviços designados nas alíneas a), b) e c) do presente artigo.»
Assim, começava um longo caminho, cheio de dificuldades económicas, politicas e temporais. Para os humoristas, um dos elementos urgentes é a criação de boas estradas, e o ataque à praga dos buracos, maldição essa que nos persegue até aos dias de hoje.
Depois, o eclodir da Primeira Grande Guerra trouxe todos os impedimentos de deslocações e um agravamento da crise económica. A crise política foi uma constante da República, o que não impediu o Turismo de ir dando os seus pequenos passos que o Estado Novo reformulou com a “Politica de Espírito”, uma intervenção sócio-estética liderada por António Ferro, com a sua Secretaria de Propaganda Nacional (depois rebaptizada Secretariado Nacional de Informação e Turismo) que deu alguns frutos na imagem de Portugal nesses anos 30/40 antes do Salazarismo se enclausurar mais no seu conventualismo trapista. Esta política aliava o nacionalismo ao modernismo, estilizando o genuíno artesanato e folclorismo em fórmulas mais estético-comerciais como os Bailados do Verde Gaio, as Aldeias mais portuguesas de Portugal, concursos das Estações floridas, o Portugal Colonial, o Mundo Português… Como defende Ferro: «O turismo perde assim o seu carácter de pequena e frívola industria, para desempenhar o altíssimo papel de encenador e decorador da própria nação». Em 1936 realizou-se o I Congresso Nacional de Turismo.
A par de uma dinâmica publicitária rica no cartazismo, nas decorações de Pavilhões nas Feiras Nacionais e Internacionais, houve uma política educacional que, se por um lado era uma politica hipócrita para esconder a miséria, por outro era civilizacional contra o culto da mendicidade, do desmazelo dos trajes, do pé descalço, da limpeza corporal e das ruas com as suas campanhas de bom gosto. Carlos Botelho, nos seus “Ecos da Semana” no “Sempre Fixe” satirizava esses maus hábitos ao criar personagens como “Escarra e Cospe”, “Parece Mal”, “D. Encrenca”…
Com o afastamento de António Ferro, a Segunda Grande Guerra e o acinzentamento do país, o Turismo tem de novo uma grande quebra e não acompanhará o Boom que se registará a nível internacional após o fim da contenda mundial, na década de cinquenta e sessenta. Receberemos apenas uma ínfima parte desse movimento, principalmente através dos ingleses. Estes, já no séc. XIX, foram os grandes dinamizadores da Ilha da Madeira, pelos seus interesses no seu vinho e no seu clima. Agora, serão eles que vão descobrir e colonizar o Algarve, uma região praticamente ignorada até à década de sessenta pelos portugueses.
As praias, a par do Fado e de Fátima, são os pólos dinamizadores do nosso Turismo.
Com a Primavera Marcelista, o humor gráfico recuperou um novo fulgor e João Abel Manta, na sua sátira pedagógica, comenta o Turismo existente, enquanto José de Lemos com o seu “Riso Amarelo” indignar-se-à com a forma pouco educada, bacoca e ladra com que recebíamos os turistas.
Com a Revolução de Abril, a conquista do direito às férias para todos, o Turismo transformou-se numa verdadeira indústria para consumo interno e externo, por vezes, com graves consequências patrimoniais, paisagísticas e ambientais. Os humoristas, dominados pela política e pelo desporto, continuam de costas viradas para estes universos de menor cunho de crítica social. Isso não nos impede de os desafiar para esta temática e assim o Douro comemora o Centenário desta criação oficial do Turismo em Portugal com estas páginas de humor.
O paradoxo é um velho companheiro de viagem do quotidiano e, é nessas curvas do pensamento que se encontram as pontes das invocações, comemorações e memorandos.
Na sua essência, o Homem é um viajante, um nómada de geografias e culturas, um internauta na conquista de impérios. Portugal é um país de caminhantes, primeiro como beco sem saída de migrantes, depois como porto de partida de sonhadores, aventureiros que redescobriram rotas, reencontraram continentes, conquistaram mercados. Viajamos na vida como se o mundo fosse uma eterna incógnita, nostálgicos com oetéreo passado (para o qual criámos o conceito: saudade) e temerosos com o futuro, na eterna esperança de que das brumas matinais nos venha o alento de sermos Sebastiões.
Comemorar cem anos de turismo em Portugal, país com mais de oitocentos anos de diásporas várias, pode parecer um paradoxo mas, se referirmos que viajante e turista são conceitos díspares, a questão já se apresenta noutra perspectiva. Viajantes sempre houve, mesmo depois da sedentarização das sociedades, já que o prazer da aventura, a necessidade de vencer na vida levam às migrações individuais ou de grupos. A história é um relato de movimentações militares, de trocas comerciais, não esquecendo as peregrinações e evangelizações religiosas.
Os Gregos e Romanos foram os primeiros a publicar Guias para os viajantes, com as indicações dos melhores caminhos, hospedarias, termas e um ou outro edifício curioso. Dinamizaram, para além das movimentações politico-económicas (mercadores, militares, cobradores de impostos, burocratas), as viagens de prazer religioso (onde as Olimpíadas e outras manifestações desportivas estavam incluídas), assim como as terapêuticas com o desfrute do termalismo.
Na Idade Média e Idades posteriores há muito mais transumância do que se pensa, já que a vida assim o exigia, sem contudo haver uma verdadeira arte de viajantes pelo prazer. Seria apenas no séc. XVIII que os ingleses recriariam o culto do termalismo e inventaram o “Tour”, como ponto final na educação dos jovens aristocratas. Este “Tour” consistia na viagem de “fim de curso”, cerca de um ano em digressão por vários países, para, dessa forma, aprenderem a dimensão da geografia humana, da história e do futuro, como herdeiros do Império Britânico que eles eram.
É com este “Tour” que nasce o conceito de Turista - o viajante que vai a certos locais predefinidos para visitar os pontos turísticos. Estes monumentos e locais já existiam e viviam para além dos visitantes mas, ao ser-lhe adoçado um “significante” cultural, histórico, paisagístico, ao serem destacados por especialistas em Guias, como pontos referentes, passaram a viver como “lugares turísticos”.
A arte de ser turista é seguir as rotas recomendadas, cumprir as etapas obrigatórias, mais que não seja para as fotografar rapidamente, para desfrute posterior no calor do lar. Claro que há vários tipos de turistas e alguns deles preferem manter-se viajantes e entranharem-se na vida que espreita para alem da esquina monumental.
Foram pois os ingleses que, no seu conceito imperialista, se transformaram em “Tour-ristas” do mundo, e o primeiro Guia sobre Portugal é o “Murray’s Hand Book for Travellers in Portugal”, de 1855.
No nosso país, as viagens eram difíceis, visto não haver uma rede de caminhos organizados a nível nacional, preferindo-se usar a navegação por cabotagem ou fluvial. Com a implementação da via ferroviária, as deslocações simplificaram-se e deram impulso a toda uma transumância comercial e de lazer. As viagens quebraram as fronteiras e tornou-se mais frequente a visita de cidades, países estrangeiros, principalmente, no sector cultural. Por serem especiais, muitas dessas partidas mereciam comentários na imprensa. A seguir, veio um trabalho hercúleo de criar também estradas para as novas máquinas que revolucionariam o transporte pessoal, o automóvel (a partir do final do séc. XIX).
Com a revolução liberal, a burguesia ganha o seu estatuto dominante de poder económico, o que lhe permite poder imitar o ócio aristocrático em pequenas doses e, assim a par do “tempo de trabalho”, inventa o conceito de “tempo de lazer”. Essa conquista no mundo laboral levará depois à luta pelas 8 horas de trabalho diário, e ao descanso semanal. O conceito de “férias” para todos os trabalhadores só surgirá muito mais tarde em Portugal. Esse tempo de lazer da restrita sociedade dominante coincide com a redescoberta do termalismo e das suas qualidades terapêuticas, virtudes essas que se alargaram para os banhos de mar. O tempo de prazer, de ócio, passa a ter uma “saison” especial para banhos (em Portugal, normalmente, no mês de Setembro). Aconteceu a partir do momento em que a família real passou a Veranear em Cascais (a partir de 1871). Em 1876, Ramalho Ortigão publica “As Praias de Portugal, Guia do Banhista e do Viajante”. Não era um qualquer recanto de areia junto ao mar que se tornava local de banhos, mas apenas 17 em todo o país, recomendados pelos peritos e que, rapidamente, se escalonaram em sectores sociais de frequentadores.
A caricatura portuguesa, ao longo de toda a sua história, não deu muita importância ao Turismo, talvez por ser algo pouco acessível à grande maioria da população (até à revolução de Abril) e, consequentemente, de pouco interesse para os leitores. O único “turismo” que triunfou foi o dos “Banhos de Mar”. Primeiro como “moda” das classes dominantes, moda essa que se transformou num acto social. Depois, foi-se democratizando com a conquista do descanso semanal, e com apoios como a criação dos “Bilhetes de Banhos” (tarifa reduzida de ida e volta), pelos Caminhos de Ferro, a criação de Colónias Balneares para crianças desfavorecidas... Outro turismo interno que se desenvolveu foi a proliferação do culto dos piqueniques e de excursionismo das Associações Operárias, principalmente, depois da implantação da República.
As primeiras caricaturas dos banhos de mar realizadas por Raphael Bordallo Pinheiro foram paródias políticas, seguidas por sátiras sociais. Só depois se transformariam em anedotas gráficas que, tempos a tempos, um ou outro caricaturista, iam criando no vazio politico-social do verão.
As Termas também se transformaram num momento social, simultaneamente com os aspectos terapêuticos. Contudo, os humoristas quase ignoraram o tema, talvez por não serem frequentadores, ou por não necessitarem. Apenas Raphael Bordallo Pinheiro os aborda, mas como crónicas das suas idas a águas, para se recompor de várias mazelas.
O turismo já estava espalhado na Europa entre as camadas intelectuais e ociosas da burguesia endinheirada. Portugal, não tendo ainda “lugares Turísticos” de referência, era visitado por figuras como Lord Byron ou como por exemplo, a Princesa Rattazzi que, com o seu livro “Portugal à Vol d’Oiseau”, criou alguma celeuma, porque tendo sido recebida com todas as honras na casa da nobreza e alta burguesia, acabou por escrever um livro sobre os horrores de Portugal. Horrores esses que se prolongariam na reportagem que a “National Geographic Magazine” publicou em Outubro de 1910, ou mesmo noutros escritos de alguns portugueses. O português sempre foi um crítico pessimista do seu país não admitindo, no entanto, que venham estrangeiros dizer o que eles já sabem. Até o ícone satírico do nosso povo é um humilde Zé Povinho, saloio, agrícola, atrasado, preguiçoso.
Foi para tentar contrariar esta imagem, tentando promover o “desenvolvimento intelectual, moral e material do país e principalmente esforçar-se por que ele seja visitado e amado por nacionais e estrangeiros”, que um grupo de empresários e intelectuais criou, em 1906, a Sociedade Propaganda de Portugal.
Ao longo do séc. XIX, já se tinham desenvolvido os primeiros passos da dinâmica turística. Para além da lista de praias e termas recomendadas, havia 17 lugares classificados como pontos que mereciam ser visitados, O triângulo Alcobaça, Batalha e Tomar eram os mais recomendados a nível Monumental, mas a existência de Guias “do Viajante no Bussaco”, “Viagem à Serra da Estrela”, “Évora e seus arredores”… dá-nos a entender que a procura desses locais, numa perspectiva turística, já era corrente.
Foi para dinamizar esse mercado que foi criada a Sociedade Propaganda de Portugal liderada, inicialmente por Leonilde de Mendonça e Costa e só depois por Sebastião Magalhães de Lima, deputado republicano, Grão-Mestre da Maçonaria que, daria uma maior dinâmica à Sociedade e que pela sua posição no Partido Republicano, pelo seu trabalho impulsionador de um novo país, logo após a implantação da República consegue captar para Lisboa a realização do IV Congresso Internacional de Turismo que seria o primeiro sobre esta matéria em Portugal. Os anteriores Congressos tinham-se realizado em Saragoça, San Sebastian e Toulouse.
Assim aconteceu, de 12 a 16 de Maio de 1911 na Sociedade Geografia de Lisboa, mas que, na pratica se prolongou depois por mais dias, nas visitas ao resto do país. A organização foi activa, tendo conquistado a mobilização da população para várias acções “espontâneas”, com destaque para o concurso de decoração de montras e fachadas em Lisboa, visita a Vila Franca de Xira com desfiles de carros alegóricos das nossas potencialidades agrícolas e folclóricas, passeios a Cascais e Sintra. Posteriormente, em Junho ainda houve visitas a Viana do Castelo e a terras do Douro, em que a revista “Ilustração Portuguesa” destacou a visita a Vila Real e Vidago. O comboio parou, obrigatoriamente, no Peso da Régua, mas curiosamente não há reportagem sobre essa estadia, nem visita das vinhas e lagares.
Os comentários humorísticos ao Congresso são peças interessantes das quais só transcrevo o «Guia para uso dos “touristes” congressistas” (no Supl. Humorístico do Século de Maio 1911):
1- Levantar às sete da manhã, lavar a cara, querendo, e sahir à rua. N’esse momento estão os caixotes do lixo à porta e podem dosar-se aromas que deixam a perder de olfato os perfumes de Lubín ou de Delettréz. Pena é que não se Vanda ainda para este Congresso extracto de caixote incarnat para deitar no lanço. Lá virá o tempo.
II Ir à Praça do Peixe do Cães do Sodré Halle au Possons. Admirar o asseio das nossas ovarinas, o bom aspecto do peixe congelado e o pittoresco de mercado. Sem ser por mal, levar na cara com o rabo de uma pescada ou de um peixe espada, escorregar, cahir n’uma poça d’agua suja e entornar uma canastra de peixe. Levar uma descompostura d’ uma jovem habitante do Bairro da Esperança.
III – Vir almoçar a um restaurante da Baixa. Aturar os creados malcreados, os garotos de cautelas, os pedintes, comer um bife de sola, um peixe queimado, pagar caríssimo e ainda em cima de ser disfructado pelos indígenas que, em vendo um estrangeiro, o melhor que fazem é rir-lhe descaradamente na cara.
IV – Sahir e ir ver monumentos. Recomenda-se o de Pinheiro Chagas e o que está ao pé da praça de touros e que representa o Morgado de Covas a agradecer uma ovação em Celorico de Baixo.
V – Ver museus por fora. Não vale a pena entrar.
VI – Admirar hábitos da cidade: marafonas passeando à luz do dia no Rocio, saloias com trouxas à cabeça, por cima dos passeios, fadistões encostados a todas as montras, jovens conquistadores no exercício do livre direito de attracção, automóveis a toda a pressa, etc, etc.
VII De tarde jantar (vide almoço).
VIII – Á noite perguntar onde é que há música, music halls, espectáculos que interessem estrangeiros. Não haver. Ir ao animatographo do Borralho, levar uma facada e ir a compor na Misericórdia.
IX – Morrer de aborrecimento.
X- Ser enterrado por conta do Cônsul ,o que sae baratíssimo.
XI – Ir dizer para a sua terra que se divertiu loucamente.
XII – Nunca mais cá volta.»
Foi um momento histórico porque, desse modo, introduzia Portugal na rota de uma indústria emergente. Contudo, toda esta acção, a mais importante foi sem duvida a resposta do Governo Provisório ao desafio lançado pela Sociedade Propaganda de Portugal, ou seja, oficializar esta actividade, o que veio a acontecer rapidamente, pois no dia 16 de Maio de 1911, no acto de encerramento do Congresso, o Governo apresenta a criação da Repartição de Turismo, integrada no Ministério do Fomento. É um acto pioneiro na Europa, já que até aquele momento só a Áustria e a França tinham organismos oficiais de Turismo e a Espanha que tendo sido a impulsionadora dos Congressos, só, passados meses, oficializará o seu Departamento de Turismo.
No Diário do Governo, esta Repartição tem por fim: «a) Estudar o objecto e a conveniência de novas ligações internacionais e marítimas, propor o seu estabelecimento e o melhoramento das actuaes no que respeita a commodidade, rapidez, facilidades aduaneiras, sanitárias, postaes, telegraphicas ou outras, tendo em vista o desenvolvimento do turismo; b) Estudar e propor os meios de melhorar as condições de transporte, circulação e hospedagem dos turistas no país; c) Fazer com oportunidade no país e principalmente no estrangeiro a propaganda necessária para o conhecimento perfeito de Portugal como país de turismo; d) Manter relações, úteis ao turismo de estrangeiros no país, com repartições, associações e syndicatos similares nacionaes e estrangeiros; e) Estudar os motivos de turismo existentes no país e criação de novos motivos como base de serviços designados nas alíneas a), b) e c) do presente artigo.»
Assim, começava um longo caminho, cheio de dificuldades económicas, politicas e temporais. Para os humoristas, um dos elementos urgentes é a criação de boas estradas, e o ataque à praga dos buracos, maldição essa que nos persegue até aos dias de hoje.
Depois, o eclodir da Primeira Grande Guerra trouxe todos os impedimentos de deslocações e um agravamento da crise económica. A crise política foi uma constante da República, o que não impediu o Turismo de ir dando os seus pequenos passos que o Estado Novo reformulou com a “Politica de Espírito”, uma intervenção sócio-estética liderada por António Ferro, com a sua Secretaria de Propaganda Nacional (depois rebaptizada Secretariado Nacional de Informação e Turismo) que deu alguns frutos na imagem de Portugal nesses anos 30/40 antes do Salazarismo se enclausurar mais no seu conventualismo trapista. Esta política aliava o nacionalismo ao modernismo, estilizando o genuíno artesanato e folclorismo em fórmulas mais estético-comerciais como os Bailados do Verde Gaio, as Aldeias mais portuguesas de Portugal, concursos das Estações floridas, o Portugal Colonial, o Mundo Português… Como defende Ferro: «O turismo perde assim o seu carácter de pequena e frívola industria, para desempenhar o altíssimo papel de encenador e decorador da própria nação». Em 1936 realizou-se o I Congresso Nacional de Turismo.
A par de uma dinâmica publicitária rica no cartazismo, nas decorações de Pavilhões nas Feiras Nacionais e Internacionais, houve uma política educacional que, se por um lado era uma politica hipócrita para esconder a miséria, por outro era civilizacional contra o culto da mendicidade, do desmazelo dos trajes, do pé descalço, da limpeza corporal e das ruas com as suas campanhas de bom gosto. Carlos Botelho, nos seus “Ecos da Semana” no “Sempre Fixe” satirizava esses maus hábitos ao criar personagens como “Escarra e Cospe”, “Parece Mal”, “D. Encrenca”…
Com o afastamento de António Ferro, a Segunda Grande Guerra e o acinzentamento do país, o Turismo tem de novo uma grande quebra e não acompanhará o Boom que se registará a nível internacional após o fim da contenda mundial, na década de cinquenta e sessenta. Receberemos apenas uma ínfima parte desse movimento, principalmente através dos ingleses. Estes, já no séc. XIX, foram os grandes dinamizadores da Ilha da Madeira, pelos seus interesses no seu vinho e no seu clima. Agora, serão eles que vão descobrir e colonizar o Algarve, uma região praticamente ignorada até à década de sessenta pelos portugueses.
As praias, a par do Fado e de Fátima, são os pólos dinamizadores do nosso Turismo.
Com a Primavera Marcelista, o humor gráfico recuperou um novo fulgor e João Abel Manta, na sua sátira pedagógica, comenta o Turismo existente, enquanto José de Lemos com o seu “Riso Amarelo” indignar-se-à com a forma pouco educada, bacoca e ladra com que recebíamos os turistas.
Com a Revolução de Abril, a conquista do direito às férias para todos, o Turismo transformou-se numa verdadeira indústria para consumo interno e externo, por vezes, com graves consequências patrimoniais, paisagísticas e ambientais. Os humoristas, dominados pela política e pelo desporto, continuam de costas viradas para estes universos de menor cunho de crítica social. Isso não nos impede de os desafiar para esta temática e assim o Douro comemora o Centenário desta criação oficial do Turismo em Portugal com estas páginas de humor.