Tuesday, November 13, 2007
O MODERNISMO PEL'O HUMORISMO (parte 1)
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
A História escrita é uma visão facciosa dos homens, que impregnados de uma outra vivência, procuram olhar o passado com a mente enriquecida pelo tempo, pelo espaço.
É facciosa porque apesar de se dizer objectivo, o historiador, como homem comum, está viciado culturalmente por opções conceptuais e ideológicas.
É facciosa porque o tempo cria perspectivas, e leituras inexistentes na época. Factos, acontecimentos que no momento passaram despercebidos, foram insignificantes, mas que com a análise dos historiadores de hoje, tornaram-se fulcrais.
Naturalmente, pelas razões atrás descritas, eu sou mais um historiador faccioso, e aceito que a minha visão dos factos analisados possa ser criticada, e acusada de sectarista. É mais uma visão, mais uma opção de análise entre tantas.
O período sobre o qual nos vamos debruçar, é um dos momentos mais interessantes da nossa história cultural, e um dos mais difíceis de narrar objectivamente. Nela entram em jogo múltiplos interesses (literários, plásticos, sociais), múltiplas pretensões (ideológicas e estéticas), múltiplos interpretes.
Contudo, é necessário ter consciência de que os factos de relevo que narraremos, aconteceram sem que a maioria da população tivesse tomado conhecimento deles. Para além dos intervenientes, apenas uma parca centena de indivíduos tomaram consciência dos factos, tiveram uma posição crítica.
Por outro lado, existe uma dificuldade terminológica, já que tanto os conceitos de Humorismo, como de Modernismo, Futurismo… não são muito claros no nosso meio, e têm variado ao correr dos tempos.
Ora, precisamente neste período de 1909/1919, vai haver uma procura de nova posição perante o humor e a estética, e será nossa intenção conseguir distingui-las.
Antes do mais será necessário destrinçar a evolução cronológica da entrada do dito modernismo em Portugal. A maioria dos historiadores elege a data de 5 de Março de 1911 (inauguração da Exposição Livre) como momento de ruptura com o passado naturalista, e início de uma nova fase estética, dita posteriormente modernista.
A 5 de Março de 1911, oito jovens artistas, todos a estudarem no estrangeiro como bolseiros, apresentam trabalhos seus no Salão Bobone, uma Casa de Fotografias que abriu o seu espaço como a primeira Galeria de Arte privada. Os artistas são Manuel Bentes, e mentor e coordenador do grupo, acompanhado por Francis Smith, Domingos Rebelo, Francisco Alvares Cabral, Alberto Cardoso, Eduardo Viana, Emmérico Nunes, e o brasileiro Roberto Colin.
O argumento que dá força interventora a esta exposição, é o objectivo de irreverência geracional contra os mestres académicos das Belas Artes Nacionais, que está na raiz da organização do evento, e a reacção teórica de Manuel Bentes, que perante as críticas desfavoráveis. Declara então a nova postura "moderna" (infelizmente apenas numa opção filosófica) destes artistas: «A Arte não tem sistemas, tem emoções /…/ Queremos ser livres ! Fugimos aos dogmas do ensino, às imposições dos mestres, e , quando possível, às influências das escolas, porque cremos que os artistas têm uma só escola - a Natureza; um dogma único - o Amor".»
Na realidade a única irreverência desta exposição foi a postura contra os mestres, já que as obras apresentadas pouco tinham de modernidade, de ruptura com o passado, e entre todos destacar-se-ia apenas Emmérico Nunes, pela sua irreverência humorística.
A 6 de Março de 1911 inaugurou, na Academia de Belas Artes de Lisboa, uma outra exposição de jovens bolseiros a viverem em França. Porque é que a maioria dos historiadores ignorou esta exposição? Ela surgiu como resposta da Academia à postura de confronto de Manuel Bentes, e nele encontraremos tanto ou mais ousadia estética que na outra, já que entre os expositores estavam os bolseiros Francisco Franco, Henrique Franco, José Campas, Dórdio Gomes e Santa-Rita. Esta exposição não tinha objectivos estéticos, ou ideológicos por parte dos artistas, mas incorporava dois nomes que posteriormente marcarão o nosso modernismo, principalmente o último que será depois uma das vozes mais irreverentes da década.
Estes artistas, não só não impressionaram os seus contemporâneos que aqui só conheciam a rotina, como mereciam a crítica e o desdém de quem lá for a procurava realmente novos caminhos para a arte. Amadeo de Souza-Cardoso, em carta enviada de Paris a um tio seu, acusa «os amigos compatriotas, que marcham numa rotina atrasada. Arte é bem outra coisa que quase toda a gente pensa, é bem mais que muita gente julga. Tudo quanto para aqui se faz é medíocre, aparte raras coisas.»
Pela força dos factos, os historiadores foram obrigados a aceitar os humoristas como uma parcela motora do modernismo, apontando o Salão dos Humoristas de 1912 como o segundo passo na introdução do modernismo. Esta iniciativa é coadjuvada com a realização da primeira exposição individual de Almada Negreiros, principalmente porque esta mereceu uma crítica assinada pelo poeta Fernando Pessoa.
Esquecem-se eles que o humorismo já à vários anos vivia em ruptura com o passado naturalista, vivia em irreverência estética, em ousadia de caricatura moderna.
Porquê esta constante separação entre géneros artísticos? Porquê essa dificuldade facciosa de olhar as artes como um todo? Porquê essa necessidade de divisão em sectores da criação plástica? Esse facciosismo não é uma posição apenas contemporânea, e Leal da Câmara já na época (em conferência em 1912), sentiu a necessidade de denunciar que a «…raça de dominadores /…/ tem desejado fazer de papões diante dos pobres artistas sem defesa e decidiram do alto da sua infabilidade que a caricatura não era uma Arte !Eu não sei com que compasso mágico ou com que centímetro misterioso mediram eles a distância que separa a Arte Séria da Arte Cómica.
Eu só sei que certos destes artistas sérios têm feito caricaturas admiráveis e que vários caricaturistas têm conseguido fazer obras mestras de pintura e de escultura que forçaram a admiração dos próprios críticos.
Chego a acreditar que a Arte não é o apanágio de uma teoria, de uma formula ou de um processo, mas a universal manifestação do desejo de Beleza, de Correcção e de Progresso.
Não há arte séria e não existe arte cómica. Há somente uma Arte como há uma só Natureza, como há só Amor e não deveria existir senão uma Justiça.
São as manifestações de esta Arte suprema que são diferentes, mas a essência é sempre a mesma admirável Natureza que faz vibrar temperamentos diferentes.»
(Curiosamente encontramos os mesmos elementos defendidos por Manuel Bentes em 1911 - Natureza e Amor)
Será precisamente uma nova postura perante a criação e a "utilidade" da arte que revolucionou a estética, que rompeu com o passado, e criou uma nova arte para uma nova sociedade baseada na velocidade, na tecnologia, no progresso e na democracia (segundo os elementos ideológicos de liberdade, igualdade e fraternidade).
Portugal nunca foi um grande centro criativo das vanguardas culturais, mas, principalmente no campo literário, conseguiu acompanhar medianamente as correntes europeias (por vezes com alguns anos de atraso…)
Apesar de geograficamente pertencermos à Europa, a existência do 'tampão' Espanha, que também nunca foi um centro de vanguardas, obrigou-nos a um maior esforço de adaptação aos novos ventos. A implementação da imprensa após o triunfo do liberalismo, facilitou as comunicações, e as influências. Para além da imprensa, o desenvolvimento da gravura, e da caricatura foram outros elementos fundamentais, e através deles teremos conhecimento quase imediato do realismo e do naturalismo, assim como será fácil a introdução do romantismo. Todas estas são correntes estéticas que se quadunam perfeitamente com as nossas "deformações rácicas" intrínsecas.
A Caricatura, definição que abrangia todo o desenho de humor de imprensa, foi uma arte fundamental ao longo de todo o séc. XIX, seja no plano estético, seja no social e político. Através dela, verificou-se a introdução das estéticas realistas e naturalistas (onde a família Bordallo Pinheiro terá um papel fundamental com Manuel Maria, Raphael, Columbano, Manuel Gustavo), assim como será motor de introdução do gosto "Art nouveau" (por Manuel Gustavo, Simões Jr., …) e do expressionismo (por Celso Hermínio e Leal da Câmara)…
Através da caricatura, a necessidade de individualismo da sociedade triunfante (uma das características da nova sociedade moderna), com a sobrevalorização do retrato-charge, e do retrato litográfico impõe-se. Foi moda em alguns jornais humorísticos, a primeira página apresentar retratos litográficos das individualidades locais e nacionais.
Através da caricatura solidificou-se uma postura burguesa de estar na sociedade, de fazer política, de fazer modas.
Tal como na pintura, a naturalismo, principalmente pelo génio de Raphael Bordallo Pinheiro impõe-se primeiro como academismo de um estilo. Esse academismo, para além do docilidade do traço, era acompanhado de um maneirismo ironista de sátira. Contudo, a sociedade evoluía em confronto cada vez mais agudo com o regime, com o sistema. A Monarquia era cada vez mais contestada, e o Republicanismo grassava. Na década de noventa, de oitocentos, esse confronto agudiza-se com uma série de escândalos políticos e económicos (os monopólios), assim como com o Ultimatum Inglês, que fere profundamente o orgulho nacional.
Para apoiar uma nova campanha panfletária contra o regime, surgem Celso Hermínio e principalmente Leal da Câmara, que utilizam um traço sintético, anguloso e agressivo do tipo expressionista. Para além desta linha estética, verifica-se uma alteração de comportamento satírico, desviando o alvo dos políticos, e dos partidos, para o Rei (que até então tinha sido quase sempre poupado), e para as instituições que o representavam directamente no regime, como a polícia e a Censura. Esta é pré-ruptura 'modernista' com o naturalismo, e aconteceu cerca de 1896 a 1900.
Paris era a Capital das Artes, e o sonho de qualquer artista era partir para viver nesse farol civilizacional, mesmo que fosse apenas para se enriquecer tecnicamente no academismo. Era o que acontecia com a maioria dos bolseiros portugueses, como lamenta Amadeo de Souza-Cardoso, em carta familiar de 1910 - «Hoje os artistas preocupam-se com a realidade, pretendem imitar a natureza como se ela fosse imitável, não sentem emoções grandes, porque são neutras de nascença as suas almas - em suma, é o ocaso duma religião que passou.»
A realidade era por um lado a imitação da natureza como conservadorismo amorfo, como era cada vez mais um fervilhar revolucionário numa sociedade em ruptura, como era a realidade política no Portugal do fim da primeira década deste século.
A Monarquia encontrava-se num beco sem saída, e o descontentamento abrangia todos os sectores da sociedade, nomeadamente o estudantil, que em 1907, por razões académicas, decretam uma Greve Académica em Coimbra. O descontrole de um regime em vias de naufragar, não deu o suficiente discernimento político para resolver de imediato a questão, e dessa forma esta greve não só se transformou politicamente, como se espalhou por todo o país.
Um dos elementos fundamentais de suporte a esta Greve Académica, que não só arregimentou as Universidades, como os Liceus, foi a imprensa, com a edição de folhas informativas, folhas volantes, e jornais. Finda a questão, ficou nesta juventude o gosto pela imprensa, e muitos Liceus e Universidades continuarão as experiências de editarem os seus próprios órgãos de informação académica.
Como referi, quando partiam o sonho era Paris, Mas quando por cá ficavam, as Revistas Artísticas, de Modas e Humorísticas eram a fonte de informação, era o abecedário da irreverência. Provinham tanto de França, como da Alemanha, e no campo humorístico fundamentais eram o "Assiete au Beurre", "Le Rire", "Simplicissimus", "…Bleter" . excelentes revistas que eram absorvidas avidamente pela nossa juventude irreverente.
Esta conjugação de influência de revistas estrangeiras modernistas; de uma cidade estudantil efervescente de revolta contra o regime e sociedade; o encontro de um núcleo de estudantes, de várias origens geográficas e sociais, ávidas de intervenção social e estética, fez com que a partir de 1908 nascesse o modernismo em Portugal.
A História escrita é uma visão facciosa dos homens, que impregnados de uma outra vivência, procuram olhar o passado com a mente enriquecida pelo tempo, pelo espaço.
É facciosa porque apesar de se dizer objectivo, o historiador, como homem comum, está viciado culturalmente por opções conceptuais e ideológicas.
É facciosa porque o tempo cria perspectivas, e leituras inexistentes na época. Factos, acontecimentos que no momento passaram despercebidos, foram insignificantes, mas que com a análise dos historiadores de hoje, tornaram-se fulcrais.
Naturalmente, pelas razões atrás descritas, eu sou mais um historiador faccioso, e aceito que a minha visão dos factos analisados possa ser criticada, e acusada de sectarista. É mais uma visão, mais uma opção de análise entre tantas.
O período sobre o qual nos vamos debruçar, é um dos momentos mais interessantes da nossa história cultural, e um dos mais difíceis de narrar objectivamente. Nela entram em jogo múltiplos interesses (literários, plásticos, sociais), múltiplas pretensões (ideológicas e estéticas), múltiplos interpretes.
Contudo, é necessário ter consciência de que os factos de relevo que narraremos, aconteceram sem que a maioria da população tivesse tomado conhecimento deles. Para além dos intervenientes, apenas uma parca centena de indivíduos tomaram consciência dos factos, tiveram uma posição crítica.
Por outro lado, existe uma dificuldade terminológica, já que tanto os conceitos de Humorismo, como de Modernismo, Futurismo… não são muito claros no nosso meio, e têm variado ao correr dos tempos.
Ora, precisamente neste período de 1909/1919, vai haver uma procura de nova posição perante o humor e a estética, e será nossa intenção conseguir distingui-las.
Antes do mais será necessário destrinçar a evolução cronológica da entrada do dito modernismo em Portugal. A maioria dos historiadores elege a data de 5 de Março de 1911 (inauguração da Exposição Livre) como momento de ruptura com o passado naturalista, e início de uma nova fase estética, dita posteriormente modernista.
A 5 de Março de 1911, oito jovens artistas, todos a estudarem no estrangeiro como bolseiros, apresentam trabalhos seus no Salão Bobone, uma Casa de Fotografias que abriu o seu espaço como a primeira Galeria de Arte privada. Os artistas são Manuel Bentes, e mentor e coordenador do grupo, acompanhado por Francis Smith, Domingos Rebelo, Francisco Alvares Cabral, Alberto Cardoso, Eduardo Viana, Emmérico Nunes, e o brasileiro Roberto Colin.
O argumento que dá força interventora a esta exposição, é o objectivo de irreverência geracional contra os mestres académicos das Belas Artes Nacionais, que está na raiz da organização do evento, e a reacção teórica de Manuel Bentes, que perante as críticas desfavoráveis. Declara então a nova postura "moderna" (infelizmente apenas numa opção filosófica) destes artistas: «A Arte não tem sistemas, tem emoções /…/ Queremos ser livres ! Fugimos aos dogmas do ensino, às imposições dos mestres, e , quando possível, às influências das escolas, porque cremos que os artistas têm uma só escola - a Natureza; um dogma único - o Amor".»
Na realidade a única irreverência desta exposição foi a postura contra os mestres, já que as obras apresentadas pouco tinham de modernidade, de ruptura com o passado, e entre todos destacar-se-ia apenas Emmérico Nunes, pela sua irreverência humorística.
A 6 de Março de 1911 inaugurou, na Academia de Belas Artes de Lisboa, uma outra exposição de jovens bolseiros a viverem em França. Porque é que a maioria dos historiadores ignorou esta exposição? Ela surgiu como resposta da Academia à postura de confronto de Manuel Bentes, e nele encontraremos tanto ou mais ousadia estética que na outra, já que entre os expositores estavam os bolseiros Francisco Franco, Henrique Franco, José Campas, Dórdio Gomes e Santa-Rita. Esta exposição não tinha objectivos estéticos, ou ideológicos por parte dos artistas, mas incorporava dois nomes que posteriormente marcarão o nosso modernismo, principalmente o último que será depois uma das vozes mais irreverentes da década.
Estes artistas, não só não impressionaram os seus contemporâneos que aqui só conheciam a rotina, como mereciam a crítica e o desdém de quem lá for a procurava realmente novos caminhos para a arte. Amadeo de Souza-Cardoso, em carta enviada de Paris a um tio seu, acusa «os amigos compatriotas, que marcham numa rotina atrasada. Arte é bem outra coisa que quase toda a gente pensa, é bem mais que muita gente julga. Tudo quanto para aqui se faz é medíocre, aparte raras coisas.»
Pela força dos factos, os historiadores foram obrigados a aceitar os humoristas como uma parcela motora do modernismo, apontando o Salão dos Humoristas de 1912 como o segundo passo na introdução do modernismo. Esta iniciativa é coadjuvada com a realização da primeira exposição individual de Almada Negreiros, principalmente porque esta mereceu uma crítica assinada pelo poeta Fernando Pessoa.
Esquecem-se eles que o humorismo já à vários anos vivia em ruptura com o passado naturalista, vivia em irreverência estética, em ousadia de caricatura moderna.
Porquê esta constante separação entre géneros artísticos? Porquê essa dificuldade facciosa de olhar as artes como um todo? Porquê essa necessidade de divisão em sectores da criação plástica? Esse facciosismo não é uma posição apenas contemporânea, e Leal da Câmara já na época (em conferência em 1912), sentiu a necessidade de denunciar que a «…raça de dominadores /…/ tem desejado fazer de papões diante dos pobres artistas sem defesa e decidiram do alto da sua infabilidade que a caricatura não era uma Arte !Eu não sei com que compasso mágico ou com que centímetro misterioso mediram eles a distância que separa a Arte Séria da Arte Cómica.
Eu só sei que certos destes artistas sérios têm feito caricaturas admiráveis e que vários caricaturistas têm conseguido fazer obras mestras de pintura e de escultura que forçaram a admiração dos próprios críticos.
Chego a acreditar que a Arte não é o apanágio de uma teoria, de uma formula ou de um processo, mas a universal manifestação do desejo de Beleza, de Correcção e de Progresso.
Não há arte séria e não existe arte cómica. Há somente uma Arte como há uma só Natureza, como há só Amor e não deveria existir senão uma Justiça.
São as manifestações de esta Arte suprema que são diferentes, mas a essência é sempre a mesma admirável Natureza que faz vibrar temperamentos diferentes.»
(Curiosamente encontramos os mesmos elementos defendidos por Manuel Bentes em 1911 - Natureza e Amor)
Será precisamente uma nova postura perante a criação e a "utilidade" da arte que revolucionou a estética, que rompeu com o passado, e criou uma nova arte para uma nova sociedade baseada na velocidade, na tecnologia, no progresso e na democracia (segundo os elementos ideológicos de liberdade, igualdade e fraternidade).
Portugal nunca foi um grande centro criativo das vanguardas culturais, mas, principalmente no campo literário, conseguiu acompanhar medianamente as correntes europeias (por vezes com alguns anos de atraso…)
Apesar de geograficamente pertencermos à Europa, a existência do 'tampão' Espanha, que também nunca foi um centro de vanguardas, obrigou-nos a um maior esforço de adaptação aos novos ventos. A implementação da imprensa após o triunfo do liberalismo, facilitou as comunicações, e as influências. Para além da imprensa, o desenvolvimento da gravura, e da caricatura foram outros elementos fundamentais, e através deles teremos conhecimento quase imediato do realismo e do naturalismo, assim como será fácil a introdução do romantismo. Todas estas são correntes estéticas que se quadunam perfeitamente com as nossas "deformações rácicas" intrínsecas.
A Caricatura, definição que abrangia todo o desenho de humor de imprensa, foi uma arte fundamental ao longo de todo o séc. XIX, seja no plano estético, seja no social e político. Através dela, verificou-se a introdução das estéticas realistas e naturalistas (onde a família Bordallo Pinheiro terá um papel fundamental com Manuel Maria, Raphael, Columbano, Manuel Gustavo), assim como será motor de introdução do gosto "Art nouveau" (por Manuel Gustavo, Simões Jr., …) e do expressionismo (por Celso Hermínio e Leal da Câmara)…
Através da caricatura, a necessidade de individualismo da sociedade triunfante (uma das características da nova sociedade moderna), com a sobrevalorização do retrato-charge, e do retrato litográfico impõe-se. Foi moda em alguns jornais humorísticos, a primeira página apresentar retratos litográficos das individualidades locais e nacionais.
Através da caricatura solidificou-se uma postura burguesa de estar na sociedade, de fazer política, de fazer modas.
Tal como na pintura, a naturalismo, principalmente pelo génio de Raphael Bordallo Pinheiro impõe-se primeiro como academismo de um estilo. Esse academismo, para além do docilidade do traço, era acompanhado de um maneirismo ironista de sátira. Contudo, a sociedade evoluía em confronto cada vez mais agudo com o regime, com o sistema. A Monarquia era cada vez mais contestada, e o Republicanismo grassava. Na década de noventa, de oitocentos, esse confronto agudiza-se com uma série de escândalos políticos e económicos (os monopólios), assim como com o Ultimatum Inglês, que fere profundamente o orgulho nacional.
Para apoiar uma nova campanha panfletária contra o regime, surgem Celso Hermínio e principalmente Leal da Câmara, que utilizam um traço sintético, anguloso e agressivo do tipo expressionista. Para além desta linha estética, verifica-se uma alteração de comportamento satírico, desviando o alvo dos políticos, e dos partidos, para o Rei (que até então tinha sido quase sempre poupado), e para as instituições que o representavam directamente no regime, como a polícia e a Censura. Esta é pré-ruptura 'modernista' com o naturalismo, e aconteceu cerca de 1896 a 1900.
Paris era a Capital das Artes, e o sonho de qualquer artista era partir para viver nesse farol civilizacional, mesmo que fosse apenas para se enriquecer tecnicamente no academismo. Era o que acontecia com a maioria dos bolseiros portugueses, como lamenta Amadeo de Souza-Cardoso, em carta familiar de 1910 - «Hoje os artistas preocupam-se com a realidade, pretendem imitar a natureza como se ela fosse imitável, não sentem emoções grandes, porque são neutras de nascença as suas almas - em suma, é o ocaso duma religião que passou.»
A realidade era por um lado a imitação da natureza como conservadorismo amorfo, como era cada vez mais um fervilhar revolucionário numa sociedade em ruptura, como era a realidade política no Portugal do fim da primeira década deste século.
A Monarquia encontrava-se num beco sem saída, e o descontentamento abrangia todos os sectores da sociedade, nomeadamente o estudantil, que em 1907, por razões académicas, decretam uma Greve Académica em Coimbra. O descontrole de um regime em vias de naufragar, não deu o suficiente discernimento político para resolver de imediato a questão, e dessa forma esta greve não só se transformou politicamente, como se espalhou por todo o país.
Um dos elementos fundamentais de suporte a esta Greve Académica, que não só arregimentou as Universidades, como os Liceus, foi a imprensa, com a edição de folhas informativas, folhas volantes, e jornais. Finda a questão, ficou nesta juventude o gosto pela imprensa, e muitos Liceus e Universidades continuarão as experiências de editarem os seus próprios órgãos de informação académica.
Como referi, quando partiam o sonho era Paris, Mas quando por cá ficavam, as Revistas Artísticas, de Modas e Humorísticas eram a fonte de informação, era o abecedário da irreverência. Provinham tanto de França, como da Alemanha, e no campo humorístico fundamentais eram o "Assiete au Beurre", "Le Rire", "Simplicissimus", "…Bleter" . excelentes revistas que eram absorvidas avidamente pela nossa juventude irreverente.
Esta conjugação de influência de revistas estrangeiras modernistas; de uma cidade estudantil efervescente de revolta contra o regime e sociedade; o encontro de um núcleo de estudantes, de várias origens geográficas e sociais, ávidas de intervenção social e estética, fez com que a partir de 1908 nascesse o modernismo em Portugal.