Saturday, November 17, 2007
O MODERNISMO PEL'O HUMORISMO (3ª parte)
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
1912
Não podemos separar as artes do contexto revolucionário das modificações sociais durante o séc. XIX e XX. Tanto a Revolução Francesa, como a Revolução Industrial atingiram profundamente os conceitos, as ideologias, e as posturas tanto do artista como do público.
O Homem ao destruir o Antigo Regime com a Revolução Francesa, pôs em causa uma série de leis, ideologias e laços sociais que regiam até então, as relações humanas. Com a Revolução Industrial, a sociedade criou uma relação trabalho/trabalhador, capitalista/operário que nunca tinha existido. O Homem libertou-se de uma relação feudalista, do absolutismo aristocrático, dos "direitos divinos", para de novo se escravizar numa relação monetária, no absolutismo capitalista, nos "direitos económicos". Ao aristocrata sucedeu o burguês.
A sociedade em crise, que viria a sar parte da morte de Deus, é constituída por grupos de Homens que perdendo o rumo milenar das relações, partem à deriva do tempo, do espaço, da nova estrutura social. A técnica e a Industria transformaram-lhe a paisagem, a cidade, o consumo vivencial, mudaram-lhe a visão do mundo, que se transforma, que vive numa aceleração contínua, que se altera de minuto a minuto.
As revoluções tecnológicas deram o maior contributo para esta alteração, com especial destaque para uma máquina chamada fotográfica.
A fotografia nasceu das mãos de caricaturistas e pintores que investigavam uma nova forma de fixar o que viam. Conseguiram-no. A máquina fixava o que o Homem desejáva, mas nem sempre como idealizava. Isso levou-o a novas investigações, ao estudo da luz e suas refracções, das perspectivas… e notou que cada indivíduo, do mesmo assunto e com o mesmo aparelho, cria imagens diferentes. É que toda a imagem, fotográfica ou não, encarna um modo de ver. E quando olhamos algo, estabelecemos uma relação pessoal entre as coisas e nós próprios.
Outra contribuição para a criação de uma nova visão do mundo, foi dada pelo desenvolvimento das técnicas de impressão. Com a lithografia, a zincografia, a gravura nas suas várias técnicas, e finalmente a silk-screen, ou seja a serigrafia… a reprodução democratizou a arte, destruiu-lhe a sacralidade do único, porque a tornou múltipla, e mais acessível.
Para além destes factores, a imprensa deu ao artista um meio de subsistência, remunerando-o pela sua colaboração, e divulgando-lhe parte das obras (gráficas). A imprensa dá continuidade ao papel do artista plástico como testemunha da vida. Se antes servia para cronista e glorificação do Aristocrata, da Igreja, agora passa a cronista de toda a sociedade.
Ao mesmo tempo a imprensa fornece-lhe um campo onde as experiências formais eram "totalmente" permitidas. Desta simbiose, de estética, técnica gráfica e cronista, nasceram novos géneros como a ilustração, o desenho satírico, a banda desenhada…
No campo social, a "libertação revolucionária" fez com que o artista perdesse, em parte, a sua "identidade social", visto ele ser, de novo, um artesão que tem de vender o seu trabalho no mercado burguês, e não responder a encomendas de protectores. A arte passou a ser uma simples mercadoria, dependente da lei da procura, dos gostos do povo/burguesia… O artista em crise de identidade torna-se um rebelde, um político e um filósofo, gritando por uma arte ao serviço da sua sociedade ideal, ou então por uma sociedade à medida da sua arte.
A arte, para este criador do séc. XIX já não pode permanecer dentro dos conceitos estáticos da tradição Renascentista, dentro da concepção espacial "numérica, cenográfica e estática" (como definiu Francastel), sentindo que pelo contrário tinha que viver, criar uma estrutura aberta e dinâmica.
Como dirá mais tarde G. Braque - «Não se deve imitar o que se deseja criar. Não se imitam as aparências; a aparência é o resultado. Para ser imaginação pura, a pintura deve esquecer a aparência. Trabalhar do natural é improvisar.»
Esta foi uma das principais conquistas do Homem do séc. XIX, "destruir" o que vê para o reconstruir, para o recriar à sua medida.. Uma descoberta que afinal só tinha sido perdida, porque como nos diz Paul Gauguin, «a arte primitiva parte do espírito e serve-se da natureza. A denominada arte refinada parte da impressão sensorial e serve a natureza, assim caimos no erro do realismo. /…/ A arte é abstracção. Tomai da natureza o que dela vejais em vossos sonhos.»
O artista passou a ser um Homem em busca do seu sonho, passou a ser um investigador. Destruidas, ou tentando destruir as velhas linguagens da arte, ele procura um novo código linguístico, uma estrutura analítica que fosse auto-suficiente frente à realidade exterior.
Este caminho, cheio de interrogações e dúvidas existenciais, numa constante procura de compreender se era possível a formação de uma arte representativa da sua época, fez a separação Homem/Artista, isolou artistas entre artistas, isolou-os da sociedade. O artesão, que tinha que concorrer para Mestre, com o domínio pleno das técnicas e da criatividade, dá lugar ao criador-mestre pela irreverência, ousadia, e por vezes descaramento.
A luta que era principalmente contra a burguesia, contra a sua moral neo-aristocrática absolutista, a sua visão académico-conservadora, o seu mercado, levou uma parte dos artistas a fecharem-se sobre si mesmos, já que o proletário não era acessível, tanto no nivel económico, como no cultural, de forma a compreender o porquê destes novos caminhos de ousadia, destas novas visões estéticas que pareciam contra-natura. O artista isolou-se numa "mensagem" de autor para autor, numa "visão" pessoal, mas aberta às múltiplas interpretações, ou para simples gozo visual. Para triunfo destas correntes foi fundamental o papel de um novo ser intelectual, o crítico, que se assume como o tradutor da obra, o filósofo da existência plástica.
Resumindo, desde o iluminismo afirma-se a autonomia das artes, assim como se coloca o problema da sua função dentro da nova sociedade. Desenvolve-se então a filosofia da arte-estética, numa procura contínua da relação do indivíduo com a colectividade, ao mesmo tempo que a individualidade tenta não se diluir na multiplicidade.
Os ideais cognitivos, religiosos e morais são substituídos pela estética, ficando por resolver a sua relação com as demais actividades humanas. A arte passa a ser uma visão pragmática da crítica de arte.
Por outro lado, tanto na sociedade como na arte, o sentimento de identidade individual acentua-se e difunde-se. A fotografia será um elemento importante nesta dinãmica de difusão social da imagem, do esforço da personalidade em se afirmar numa nova sociedade sem classes perfeitamente definidas. A imagem torna-se numa necessidade de demonstrar a existência, de se verificar o Eu.
A vontade acentuada de individualização, a necessidade de ruptura entre gerações como afirmação do indivíduo caracterizam a nova sociedade.
O rápido desenvolvimento tecnológico, leva a uma continua mudança das orientações estéticas. Dessa forma defende-se que o mundo não é para se admirar, mas para o viver. A natureza não é objecto, mas motivo estético, sentimento. A emoção torna-se no cerne da criatividade, para além da estrutura. A arte explora a técnica pela decomposição da visão, contuso a técnica se abstratiza na emoção, defendendo-se a liberdade individual do artista.
Se por um lado verificamos uma agudização na pesquisa estética, seja técnica, plástica ou emocional, numa constante ruptura geracional de ismos, caminhando-se para uma forte individualização conceptual da criação estética, no triunfo do Eu absoluto e abstracto. Por outro ficou por resolver a dicotomia entre criação Arte-Estética e Arte Funcional. A solução mais fácil, e mais preguiçosa, foi consagrar a primeira como Arte Maior, ou Arte Séria, e as outras como Artes Menores.
O caminho das artes menores é no fundo muito mais interessante, já que não é um percurso de meia dúzia de pessoas que vivem os seus problemas isolados da Sociedade Geral, sem se interessarem por eles, vivendo à margem. As Artes Menores são as verdadeiras Artes Contemporâneas, já que vivem por um lado as mesmas preocupações de irreverência, ousadia e progresso tecnológico que as ditas Artes Maiores, mas que ao mesmo tempo estão em constante diálogo com a sociedade, refreando por vezes as ousadias para poder acompanhar os gostos da sociedade, acelerando por vezes os gostos da sociedade com as suas ousadias.
O artista do séc. XIX e XX, para além da questão de funcionalidade da sua arte, teve também que, como sendo agora um homem comum, de ter posições políticas definidas, e dessa forma usar a sua arte como um testemunho das lutas políticas, ou politizando-se e virando as costas à sociedade como a maioria dos ditos artistas das Artes Maiores.
Nas artes politizadas a moral influencia o modo de ver a realidade. A imagem não é a simples representação de um facto, mas o juízo que se pode dar dele. A vontade moral abre perspectivas ao conhecimento, à mensagem.
1912
Não podemos separar as artes do contexto revolucionário das modificações sociais durante o séc. XIX e XX. Tanto a Revolução Francesa, como a Revolução Industrial atingiram profundamente os conceitos, as ideologias, e as posturas tanto do artista como do público.
O Homem ao destruir o Antigo Regime com a Revolução Francesa, pôs em causa uma série de leis, ideologias e laços sociais que regiam até então, as relações humanas. Com a Revolução Industrial, a sociedade criou uma relação trabalho/trabalhador, capitalista/operário que nunca tinha existido. O Homem libertou-se de uma relação feudalista, do absolutismo aristocrático, dos "direitos divinos", para de novo se escravizar numa relação monetária, no absolutismo capitalista, nos "direitos económicos". Ao aristocrata sucedeu o burguês.
A sociedade em crise, que viria a sar parte da morte de Deus, é constituída por grupos de Homens que perdendo o rumo milenar das relações, partem à deriva do tempo, do espaço, da nova estrutura social. A técnica e a Industria transformaram-lhe a paisagem, a cidade, o consumo vivencial, mudaram-lhe a visão do mundo, que se transforma, que vive numa aceleração contínua, que se altera de minuto a minuto.
As revoluções tecnológicas deram o maior contributo para esta alteração, com especial destaque para uma máquina chamada fotográfica.
A fotografia nasceu das mãos de caricaturistas e pintores que investigavam uma nova forma de fixar o que viam. Conseguiram-no. A máquina fixava o que o Homem desejáva, mas nem sempre como idealizava. Isso levou-o a novas investigações, ao estudo da luz e suas refracções, das perspectivas… e notou que cada indivíduo, do mesmo assunto e com o mesmo aparelho, cria imagens diferentes. É que toda a imagem, fotográfica ou não, encarna um modo de ver. E quando olhamos algo, estabelecemos uma relação pessoal entre as coisas e nós próprios.
Outra contribuição para a criação de uma nova visão do mundo, foi dada pelo desenvolvimento das técnicas de impressão. Com a lithografia, a zincografia, a gravura nas suas várias técnicas, e finalmente a silk-screen, ou seja a serigrafia… a reprodução democratizou a arte, destruiu-lhe a sacralidade do único, porque a tornou múltipla, e mais acessível.
Para além destes factores, a imprensa deu ao artista um meio de subsistência, remunerando-o pela sua colaboração, e divulgando-lhe parte das obras (gráficas). A imprensa dá continuidade ao papel do artista plástico como testemunha da vida. Se antes servia para cronista e glorificação do Aristocrata, da Igreja, agora passa a cronista de toda a sociedade.
Ao mesmo tempo a imprensa fornece-lhe um campo onde as experiências formais eram "totalmente" permitidas. Desta simbiose, de estética, técnica gráfica e cronista, nasceram novos géneros como a ilustração, o desenho satírico, a banda desenhada…
No campo social, a "libertação revolucionária" fez com que o artista perdesse, em parte, a sua "identidade social", visto ele ser, de novo, um artesão que tem de vender o seu trabalho no mercado burguês, e não responder a encomendas de protectores. A arte passou a ser uma simples mercadoria, dependente da lei da procura, dos gostos do povo/burguesia… O artista em crise de identidade torna-se um rebelde, um político e um filósofo, gritando por uma arte ao serviço da sua sociedade ideal, ou então por uma sociedade à medida da sua arte.
A arte, para este criador do séc. XIX já não pode permanecer dentro dos conceitos estáticos da tradição Renascentista, dentro da concepção espacial "numérica, cenográfica e estática" (como definiu Francastel), sentindo que pelo contrário tinha que viver, criar uma estrutura aberta e dinâmica.
Como dirá mais tarde G. Braque - «Não se deve imitar o que se deseja criar. Não se imitam as aparências; a aparência é o resultado. Para ser imaginação pura, a pintura deve esquecer a aparência. Trabalhar do natural é improvisar.»
Esta foi uma das principais conquistas do Homem do séc. XIX, "destruir" o que vê para o reconstruir, para o recriar à sua medida.. Uma descoberta que afinal só tinha sido perdida, porque como nos diz Paul Gauguin, «a arte primitiva parte do espírito e serve-se da natureza. A denominada arte refinada parte da impressão sensorial e serve a natureza, assim caimos no erro do realismo. /…/ A arte é abstracção. Tomai da natureza o que dela vejais em vossos sonhos.»
O artista passou a ser um Homem em busca do seu sonho, passou a ser um investigador. Destruidas, ou tentando destruir as velhas linguagens da arte, ele procura um novo código linguístico, uma estrutura analítica que fosse auto-suficiente frente à realidade exterior.
Este caminho, cheio de interrogações e dúvidas existenciais, numa constante procura de compreender se era possível a formação de uma arte representativa da sua época, fez a separação Homem/Artista, isolou artistas entre artistas, isolou-os da sociedade. O artesão, que tinha que concorrer para Mestre, com o domínio pleno das técnicas e da criatividade, dá lugar ao criador-mestre pela irreverência, ousadia, e por vezes descaramento.
A luta que era principalmente contra a burguesia, contra a sua moral neo-aristocrática absolutista, a sua visão académico-conservadora, o seu mercado, levou uma parte dos artistas a fecharem-se sobre si mesmos, já que o proletário não era acessível, tanto no nivel económico, como no cultural, de forma a compreender o porquê destes novos caminhos de ousadia, destas novas visões estéticas que pareciam contra-natura. O artista isolou-se numa "mensagem" de autor para autor, numa "visão" pessoal, mas aberta às múltiplas interpretações, ou para simples gozo visual. Para triunfo destas correntes foi fundamental o papel de um novo ser intelectual, o crítico, que se assume como o tradutor da obra, o filósofo da existência plástica.
Resumindo, desde o iluminismo afirma-se a autonomia das artes, assim como se coloca o problema da sua função dentro da nova sociedade. Desenvolve-se então a filosofia da arte-estética, numa procura contínua da relação do indivíduo com a colectividade, ao mesmo tempo que a individualidade tenta não se diluir na multiplicidade.
Os ideais cognitivos, religiosos e morais são substituídos pela estética, ficando por resolver a sua relação com as demais actividades humanas. A arte passa a ser uma visão pragmática da crítica de arte.
Por outro lado, tanto na sociedade como na arte, o sentimento de identidade individual acentua-se e difunde-se. A fotografia será um elemento importante nesta dinãmica de difusão social da imagem, do esforço da personalidade em se afirmar numa nova sociedade sem classes perfeitamente definidas. A imagem torna-se numa necessidade de demonstrar a existência, de se verificar o Eu.
A vontade acentuada de individualização, a necessidade de ruptura entre gerações como afirmação do indivíduo caracterizam a nova sociedade.
O rápido desenvolvimento tecnológico, leva a uma continua mudança das orientações estéticas. Dessa forma defende-se que o mundo não é para se admirar, mas para o viver. A natureza não é objecto, mas motivo estético, sentimento. A emoção torna-se no cerne da criatividade, para além da estrutura. A arte explora a técnica pela decomposição da visão, contuso a técnica se abstratiza na emoção, defendendo-se a liberdade individual do artista.
Se por um lado verificamos uma agudização na pesquisa estética, seja técnica, plástica ou emocional, numa constante ruptura geracional de ismos, caminhando-se para uma forte individualização conceptual da criação estética, no triunfo do Eu absoluto e abstracto. Por outro ficou por resolver a dicotomia entre criação Arte-Estética e Arte Funcional. A solução mais fácil, e mais preguiçosa, foi consagrar a primeira como Arte Maior, ou Arte Séria, e as outras como Artes Menores.
O caminho das artes menores é no fundo muito mais interessante, já que não é um percurso de meia dúzia de pessoas que vivem os seus problemas isolados da Sociedade Geral, sem se interessarem por eles, vivendo à margem. As Artes Menores são as verdadeiras Artes Contemporâneas, já que vivem por um lado as mesmas preocupações de irreverência, ousadia e progresso tecnológico que as ditas Artes Maiores, mas que ao mesmo tempo estão em constante diálogo com a sociedade, refreando por vezes as ousadias para poder acompanhar os gostos da sociedade, acelerando por vezes os gostos da sociedade com as suas ousadias.
O artista do séc. XIX e XX, para além da questão de funcionalidade da sua arte, teve também que, como sendo agora um homem comum, de ter posições políticas definidas, e dessa forma usar a sua arte como um testemunho das lutas políticas, ou politizando-se e virando as costas à sociedade como a maioria dos ditos artistas das Artes Maiores.
Nas artes politizadas a moral influencia o modo de ver a realidade. A imagem não é a simples representação de um facto, mas o juízo que se pode dar dele. A vontade moral abre perspectivas ao conhecimento, à mensagem.