Wednesday, May 19, 2021

«Um misto de Ferro e Garcia» por Osvaldo Macedo de Sousa in «O Dia» de 17/2/1987

A assimetria como jogo estético é o sentimento que reina, ou paira neste momento sobre a maioria das criações, porém quando se entra numa sala de exposições, mesmo que esta não passe de uma escadaria integrante de uma loja de mobiliário em «design cuidado», existe sempre a velha tendência de procurar a simetria em cumplicidade do conjunto, o elo que conjuga os estilos diferenciados, como é o caso, numa exposição. Desta vez é a amostra das obras de Isabel Garcia e José Paulo Ferro na Altamira.

Partindo de técnicas e suportes distintos, o ponto em comum que sentimos é o diálogo entre os processos «clássicos» de criação e a contemporaneidade tecnológica como pesquisa, é a pintura e o desenho em jogo abstrato com a investigação da misticidade, do misto e não do místico, dos materiais e das visões. Se o ponto final tem coincidências, a partida e percursos são distintos.

José Paulo Ferro, «percorrendo um destino, o destino labiríntico na abstracção branca da folha», apresenta-nos uma série de desenhos «grafite sobre papel Fabriano», num olhar microscópico do realismo, como pormenor abstracto das coisas, como estruturas arquitectónicas, texturas da matéria e da optica, qual armadinha de novas visões do já visto, mas sempre renovado.

No seu trabalho é relevante o percurso curricular que se inicia num dia de 1955 em Alcobaça, passa pela ESBAL, em «design» de Equipamentos e Pintura (licenciado em 1982), passa pelo Instituto Português de Fotografia como aluno, e depois  como monitor, para terminar  na apresentação ao público da obra criada, em múltiplas exposições desde 1979, seja em Portugal como no estrangeiro. Tem exposto Fotografia, Pintura, Desenho e Gravura.

Como ia referir anteriormente, o seu trabalho como fotografo ou «designer» manifesta-se nestes desenhos pela concepção óptica das imagens criadas, pela construção espacial dos volumes figurativos abstractos, +ela luz e sombra. Se na fotografia se pressente a memória do instante, no desenho de José Paulo Ferro dá-nos a memória de um olhar, um novo mundo ínfimo de visões.

Por seu lado Isabel Garcia, natural da Figueira da Foz, onde surgiu em 1947, tem o curso de Pitura da ESBAL (licenciada em 1969) e iniciou o seu percurso público a partir das exposições de 1981, tendo estado presente em várias manifestações nacionais e internacionais. Ultimamente, subsidiada pela Fund. Gulbenkian investiga a utilização plástica, em interdisciplinaridade, dos materiais. É como fruto deste estudo que surge a actual exposição.

Tendo como fundo a pintura onde o desenho realista, em policromia claro-escuro, busca o «trompe l’oeil» clássico, a obra realiza-se na abstracção de efeitos ecultóricos em exploração /utilização  sensorial dos materiais, como a madeira, o ferro, o aço cromado…. É um jogo de técnicas mistas, a interdisciplinaridade da pintura-escultura-desenho em imagem «a um tempo esculpidas e pintadas», é o  desenho não clarificado entre o olhar e o tacto, a ambiguidade entre o belo criado e a rusticidade natural.

Duas exposições numa só com um elo de beleza a ligá-las, e só por sso vale a pena serem vistas.


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