Tuesday, April 20, 2021

«João Abel Manta – Prémio Stuart 1988 » por Osvaldo Macedo de Sousa in «O Artista» nº 4 de Maio de 1989

Criado na sequência das comemorações do centenário do nascimento de Stuart Carvalhais, em Vila Real, o Prémio Stuart – Regisconta é uma iniciativa (criada por Osvaldo Macedo de Sousa e Câmara Municipal de Vila Real, com o patrocínio da Regisconta) criada para «atribuir anualmente a um artistico plástico que, pela sua carreira, tenha contribuido, fomentado e dignificado a arte humorística, a arte da caricatura, da ilustração e do cartaz».

A acta do júri refere também. É com grande satisfação que atribuimos este Prémio a João Abel Manta, um artista plástico de mérito reconhecido internacionalmente. A sua carreira, apesar de neste momento estar afastada das artes gráficas, está no âmbito da atribuição deste Prémio, pelo valor da sua obra grafica desenvolvida dos anos cinquenta até inicio dos oitenta (que incorpora a ilustração, o cartaz, a caricatura), contribuindo, como raros artistas, para a evolução das artes em Portugal».

João Abel Manta é um artista que todos conhecem, mas ao mesmo tempo é uma obra desconhecida de muitos. Artista versátil, ele tem abordado todos os géneros plásticos com exito, pois é Arquitecto por formação académica; Pintor por opção estética; assim como Artista Gráfico, Gravador, criador de trabalhos decorativos para integraçaõ na arquitectura, Cenógrafo por obra realizada. É também de destacar o seu trabalho de «design» ligado ao livro e ao jornal, desenvolvido no âmbito tipográfgico e caligráfico.

A arquitectura e urbanismo tem sido a sua fonte de subsistência, enquanto a pintura é a aposta estética mais emprenhada do artista. Ele gostaria mesmo de ficar na história essencialmente como pintor, porém a genialidade do seu trabalho gráfico, tem ao longo dos anos asombrado o pintor. Ao poder criativo e técnico de qualidade excepcional, alia-se uma popularidade, que não existe na pintura, já que esta é quase desconhecida.

João Abel Manta, como todos sabem, é filho da pintora Maria Clementina Carneiro de Moura e do Pintor Abel Manta e nasceu a 29 de janeiro de 1928. As primeiras manifestações públicas do artista, estão relacionadas com o «neo-realismo», com as Exposições Gerais de Artes Plásticas da SNBA, como uma atitude estética de intervenção, a qual marcará toda a sua obra gráfica.

A partir dos anos cinquenta, o desenho ganhou força de ilustração impressa. Podendo-se descobrir esses trabalhos como ilustrador de Boccacio, Dante, Cervantes, D. Francisco Manuel de Melo, P. António Vieira, E. Waugh, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, José Cardoso Pires… Também nesses anos cinquenta são publicados desenhos de humor seus no «Século Ilustrado». São os primeiro trabalhos, onde já se manifesta a versatilidade estilistica do artista, continuando no «Almanaque», «Seara Nova», «Eva», «Gazeta Musical e de todas as Artes»…

Influenciado pelo modernismo, em resquicios da segunda geração que ainda dominava a arte em Portugal, enriquecido pelo espirito renascentista / humanista da sua educação cultural, numa apreensão total das correntes estéticas seculares; descobrindo as novas filosofias do pensamento artístico, que procuravam a resolução da ruptura no pós-guerra; inserindo-se no pensamento oposicionista ao regime… esta é a caracterização de João Abel Manta.

Para cada trabalho há uma linguagem mais adequada, um grafismo que se coaduna com o conteudo e estilo literário da publicação, e ele sabe escolher. Por vezes, a esses elementos «pedidos» pela obra, aliam-se as experiências estéticas que o artista investiga no momento, fundindo-se elementos arcaicos, com abstracionismos, com a ironia, a colagem,fotomonatgem… o resultado é o mais variado, sem nunca cair no banal, no já visto e pleno de notáveis matizes neo-romanticos – renascentistas – barrocos – clássicos – modernistas – realistas – abstracionistas…

Nos anos sessenta, o desenho a par da criatividade como resposta à encomenda, às regras de impressão, passa a conviver com uma criatividade levada ao prazer extremo do exércicio técnico e estético, é o surgimento dos desenhos-pintura já com uma função independente da impressão.

É dentro deste grupo de trabaljos que surgem as obras como «O processo de Koch», «O Ornitoptero» ou as muitas outras colecções de desenhos temáticos, donde se destaca a série Shakespearianna – vastos envolvimentos cenográficos onde os actores são pequenos pormenores em contenção dramaturgica, uma filigrana de traços em erotismo, tragédia e ironia. O erotismo será mesmo uma constante subrepticia nos trabalhos desta época.

Destacam-se também as séries dos «Missionários», uma imagem simbólica dos portugueses «catequisadores» dos novos mundos; «Piazza», variações sobre a obra de Piero della Francesca; «Santo Ofício», cuja ideia era pegar em seis ou sete processos da inquisição, casos de bruxaria, e ilustra-los num misto de erotismo, magia e opressão. A maior parte desses trabalhos são desconhecidos do público.

A partir de 1969. J.A.M.  desenvolve a faceta mais conhecida do grande público, a do «cartoonista». O comentário gráfico é então incisivo, satírico e essencialmente irónico, surgindo numa «primavera» marcelista em que a paisagem humorística era cinzenta, em que os «clássicos» ou os jovens se reduziam, se subjugavam à simples anedota, à subserviência politica do bebado, da sogra, do fado e da bola. Ele encarnar então a oposição inteligente que recusa o anedotico ou a sátira suicida de critica aberta, suscitadora de opressão e censura. A sua linguagem é irónica, jogando com o absurdo e o surrealismo da vida que se vivia, parodiando com os bastiões da nacionalidade teatral.

O seu jornal de oposição foi o «Diário de Lisboa», onde a par de comentário à politica internacional e critica social de cunho ousado, faz desde logo o ataque serrado aos símbolos que se impunham como monumentos de estupidificação nacional, ou à história deturpada pelo sonho, como elemento aleatório.

Em 1974 o artista anti-fascista em luta contra um regime, transforma-se no revolucionário defensor das conquistas aduiridas com o 25 de Abril, aderindo como niguém ao movimento, mantendo-se  na actividade intervencionista de «cartoonista», «cartazista»… São célebres os seus cartazes, como simbolos do novo poder libertador, o MFA, assim como os cartoons que testemunham a vida escaldante dos primeiros anos do novo regime. Este testemunho ficou registado sob os títulos jornalisticos do «Diário de Notícias» e «O Jornal». Em 1978, o álbum «Caricaturas Portuguesas dos Anos de Salazar», com inéditos, encerram o ciclo de cartoonista deste artista e dão à caricatura portuguesa uma das obras primas mundiais do humor-sátira.

Em 1981, ao lado de José carlos Vasconcelos está envolvido na criação do JL – Jornal de artes e Letras», onde João Abel manta dará uma nova lição de genialidade gráfica ao desenhar as capas dos cinco primeiros numeros, assim como toda a ilustração necessária dos dez primeiros numeros. Após esse numero, a sua colaboração foi desaparecendo por dificuldade de manutenção do ritmo de trabalho, por a pintura se impor cada vez mais no espirito do artista. Deu-se então o afastamento das Artes Gráfias, para grande saudade dos seus admiradores, do público.

O Prémio Stuart – Regisconta foi uma homenagem a todo esse trabalho, que é um marco na historia das artes em portugal. A acompanhar esse galardão foi publicado um pequeno álbum com um texto de análise da vida do artista (escrito por Osvaldo Macedo de Sousa) e com reprodução de uma série de trabalhos pouco conhecidos ou inéditos. O álbum chama-se «Gráfica», numa edição do próprio «Prémio Stuart».


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