Friday, March 12, 2021

Caricaturas Crónicas / Visões do Mundo: «Turhan Selçuk – A caricatura entre os turcos» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 27/1/1991

      Há mundos que nos parecem longínquos, exóticos, onde dificilmente visualizamos humor, só que este é mesmo universal. É o caso da Turquia, esse país entre a Europa e o Médio Oriente. Para nos falar do seu país, conversamos com aquele que é considerado o mestre do humor turco – Turhan Selçuk.

                «A Turquia é um país de contradições, dividido entre a cultura ocidental e a árabe (apesar de o povo turco não ser árabe). Por um lado, os turcos são totalmente emancipados, por outro, conservadores e religiosos. Os turcos que tiveram um grande mestre humorista, como Nasreddin Hoca amam o humor. Na origem das histórias e anedotas tradicionais, e mesmo da caricatura, penso que existe uma influência de Nasreddin, que pousa um olhar de filocofia sobre os acontecimentos. Não se sabe quem escreve, quem produz as anedotas requintadas e finas, que criticam o regime, em tempo de repressão, mas elas divulgam-se no país pelo telefone árabe».

                O humor turco desenhado, explicou Turhan, desenvolveu-se com um grande elan a partir de 1950. Podem-se então, encontrar as particularidades do pensamento de Hoca, como sempre aconteceu no humor escrito. «Num país como o nosso ama-se tanto o humor, que nos podemos enervar contra o humor. Os processos levantados contra os desenhos e as anedotas são levados muito a sério». Na opinião do nosso entrevistado «isso deve-se à falta de tolerância na Turquia, que existe, também, no ocidente. Os turcos levam o humor muito a sério e dão-lhe demasiada importância. Na Turquia o humor é um caso sério e creio que essa é uma das suas particularidades. Os intelectuais turcos ainda têm hoje de lutar pela liberdade de opinião e de expressão, pois ainda estão limitados por certos artigos do Código Penal. Estão constantemente a tentar descobrir propaganda comunista em cada desenho, em cada palavra. Os escritores e os caricaturistas são perseguidos, os livros, as revistas e mesmo os periódicos são suspensos ou interditos. Não sei se ainda é necessário precisar que em tal ambiente a censura seja inevitável… Portanto, sou eu que me autocensuro, depois vem a censura do jornal, porque, segundo as leis locais, o chefe de redacção pode ser perseguido e julgado por publicar uma caricatura minha.

                Mas é necessário dizer que a caricatura tem uma força que ultrapassa todas as proibições da censura. Actualmente, apesar de se dizer que a caricatura tem uma força que ultrapassa todas as proibições da censura, ela existe secreta mente, pois é sabido que continuam as perseguições e há jornalistas nas prisão. Mas, a pior das ditaduras é a religiosa. Existe uma elite intelectual, laica do mais alto grau, ligada ao ocidente e à tradição democrática da Turquia da primeira metade do século. Aí, a mulher tem o seu lugar ao lado do homem…»

                Turhan Selçuk sublinhou ainda que «há uma grande massa de população conservadora, religiosa, que é contra o progresso, a indústria, dominada pelos religiosos. Essa infiltração do poder religioso no poder estatal iniciou-se nos anos 50. Hoje, em cada quarteirão foi edificada uma mesquita. Interditaram o uso da língua turca na religião, para o povo não ter acesso à cultura. Os políticos, para poderem sobreviver, apegaram-se aos subsídios que os religiosos lhes dão, nomeadamente, o Irão e a Arábia Saudita, que é muito mais perigosa do que normalmente se pensa». Para Turhan Selçuk «o integralismo está a dominar e a minar. Os religiosos são agressivos e se não toleramos as suas ideias, eles não toleram as nossas, ameaçando constantemente de morte e matando os mais progressistas, os que criticam as suas ideias. Nos úlrimosmeses essas mortes aumentaram. Mas, a matéria-prima da caricatura é o homem, as suas contradições, erros, obras, comportamentos e ambições. E, enquanto houver seres humanos, haverá humor».


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