Saturday, January 23, 2021

Caricaturas Crónicas: «Cristiano de Carvalho, a militância republicana» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias 7/8/1988

Cristiano de Carvalho é mais um dos intervenientes que, pelo seu antimonarquismo, se viraram para a caricatura como veículo da sua opinião, da sua luta em sátira aos políticos que mal governavam o país.

 

«Cristiano de Carvalho pertence a essa minoria idealista que sonha uma humanidade nova, mais humana e melhor.

É um artista de combate e um espírito sem egoísmos, que consagra o seu talento e a sua arte a defender causas nobres e causas justas.

É que Cristiano de Carvalho pertence a essa plêiade dos que, com fé intrépida em dias novos e homens melhores, creem que a arte desempenha um papel social, insubstituível, da perfectibilização humana quando norteada por um princípio de superioridade moral.

Arte pela Arte quase não faz sentido. O que faz sentido é a arte pela verdade, a arte pela justiça, a arte pela vida, a arte para enobrecer e melhorar os homens» (in Ilustração Portuguesa 6/2/1908).

Foi desta forma, que o poeta Manuel Laranjeira, o amigo de tertúlia de artistas plásticos (inclusive o primeiro “orientador” de Amadeu de Sousa-Cardoso), apresenta-nos um homem que foi caricaturista, escritor e activista político de nome Cristiano de Carvalho. É mais um dos intervenientes que, pelo seu antimonarquismo, se viraram para a caricatura como veículo da sua opinião, da sua luta em sátira aos políticos que mal governavam o país. É um irreverente que procurou intervir na sociedade da transição do século XIX para o XX, como oposição ao regime, ou como intervenção na sociedade da segunda década do século XX, na República.

Natural do Porto, onde nasceu em 1874, esteve ligado desde cedo ao movimento republicano, e ao jornalismo panfletário. Ainda com dezassete anos, viu-se obrigado a emigrar por motivos políticos. Estabeleceu-se então em Paris, a Cidade Luz da liberdade política e das artes. Aí desenvolveu a sua formação cultural e ideológica..

Passados sete anos, ou seja, em 1898 regressou a Portugal para retomar a sua campanha, plena de idealismo ideológico e irreverência política que o conduzirá à caricatura.

Curiosamente, os seus estudos no estrangeiro não o induziram nas novas correntes estéticas, que desabrochavam na Europa, principalmente em França. Quase fiel ao rafaelismo, ele preferiu desenvolver um estudo ideológico, com uma linguagem gráfica academizante e acessível ao operariado.

As suas tendências liberais levaram-no a uma participação directa no movimento operário português, ligado ao movimento republicano, no âmbito do anarco-sindicalismo. Dentro desse âmbito e meio, ele surge no humorismo mais panfletário, não como um artista que utiliza a sua estética como irreverência, mas um operário, um industrial tipógrafo que utiliza a sua técnica como uma arma em favor da luta política. Ele tinha a sua oficina aberta à imprensa panfletária, e criou alguns periódicos onde a sua arte de ilustrador satírico ficou bem expressa, como é o caso dos periódicos «Diabo Júnior» (1902) e «A Caricatura» (1904). Essa actividade mereceu-lhe vários problemas judiciais, durante a monarquia.

Com a república, o seu trabalho não esmorece, enquanto a esperança idealista na construção de um novo regime se ia desenganando. Prossegue com a publicação de textos em periódicos, assim como o humor no «Pardal» (1911), «A Águia» (1912/14), «A Bomba» (1912 – de que era director), «O Miau» (1916), «O Garoto» (1917), «Nortada» (1923), «Pirolito» (1932).

Entretanto, a chama irreverente ia-se apagando perante as frustrações do quotidiano. Pouco antes de morrer, ainda escreve as suas memórias. Morre em 1940 um idealista republicano, que usou a caricatura e o rafaelismo como arma fundamental de irreverência, e sonho na criação de um mundo melhor, mais proletário, mais… sem políticos.


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