Tuesday, January 12, 2021

Caricaturas Crónicas: «Aniceto Carmona, a paixão pela caricatura» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 21/8/1988

 Aniceto Carmona descobriu-se para a arte logo na infância. A sua paixão pela caricatura e o humor não se ficou apenas pela execução, alargando-se também ao estudo e contacto estreito com outros humoristas-caricaturistas.

 

Há personagens, que mesmo não sendo figuras ímpares da história, se agarram a esta com toda a força. É o caso de Aniceto Carmona, um artista colado à caricatura como vocação sacerdotal, devotado às caras das individualidades sociais por necessidade de exagero.

Aniceto Carmona (20/10/1933), que é natural de Perais / Vila Velha do Rodão, descobriu-se para a arte ainda com oito anos. «Recortava as caricaturas e colecionava-as. Depois comecei a copiá-las, a dar-lhes cor, desenvolvendo assim o gosto e o estilo. A segunda fase, foi fazer as caricaturas, partindo de fotos».

O seu primeiro trabalho publicado data de 1952, uma caricatura do ciclista Fernando Moreira de Sá, do FC. Porto na revista «Cartaz». Ainda nesse período trabalhou para a «Plateia», «Flama»…

Na tropa ganhou alguns trocos, como complemento do pré, a fazer caricaturas dos colegas, dos superiores… A sua caricatura seguia então a escola tradicional do rafaelismo, via Amarelhe, ou seja, o retrato a desenho classicizante, exagerado q.b. nos Aspectos fisionómicos mais preponderantes.

Esta sua paixão para caricatura e o humor não se ficou apenas pela execução, alargando-se também ao estudo e contacto estreito com outros humoristas-caricaturistas. Transformou-se num dinamizador panfletário do retrato-charge, compilando e escrevendo as biografias de artistas seus contemporâneos, ou figuras da história do humor. É uma faceta importante, já que graças a ele temos hoje algumas pistas de artistas que deixaram atras de si poucos elementos biográficos, e que no âmbito da sua carreira de caricaturista teve a possibilidade de conhecer, de trocar ideias, trocar com eles experiências, aprender técnicas, ouvir desabafos. Estas biografias foram sendo publicadas essencialmente na revista «Flama» e no «Boletim dos Telefones» onde colaborava.

Por outro lado, o estudioso da caricatura deu a conhecer o seu nome no meio jornalístico, e dessa formou foi conseguindo publicar noutros periódicos como «Mundo», «Ridículos», «Rádio & Televisão», «Barraca», «Boletim da TAP», «Revista de Angola», «Chucha», «Varzeense» (mensário de Vila Nova de Ceira, onde colabora há mais de 20 anos), «Sporting», «O Benfica», «Portugal Cá & Lá», «Coleccionador»…

Desse traço tradicional procurou evoluir para novas experiencias sob influência do traço síntese de Teixeira Cabral. Aniceto Carmona partiu então na busca de uma linha própria na abstração do retrato, resumindo-o nos traços - essências de caracterização. Era um estilo em voga nos anos 40 e 50, que ele conseguiu dominar correctamente, em trabalhos exemplares, onde uma cruz na orelha será um sinal inconfundível do seu autor.

É preciso recordar que Carmona sempre foi um autodidacta e amador. Amador, por nunca se entregar totalmente à caricatura como profissão, realizando-as em croquis durante as vernissages, inaugurações que ele nunca falha. Do seu espólio, um especial valor está na colecção de autógrafos das vitimas caricaturadas por ele, principalmente dos artistas nessas vernissages que eram confrontados com a obra já croquisada em directo. A maioria ficaram esses simples traços repentistas, outros eram retrabalhados nas horas de almoço na TAP, onde trabalhava, distribuindo—as depois por todos os periódicos possíveis. Ele trona-se assim num dos caricaturistas mais publicados na imprensa, distribuindo os seus desenhos (gratuitamente) por múltiplas publicações periódicas ou de empresas. É um artista incansável, com uma obra feita de muitos milhares de caricaturas.

O facto de trabalhar numa empresa de viagens facilita-lhe as deslocações, dando-lhe o privilégio de afirmar: «Sou o caricaturista português que mais caricaturas fez, em redor do mundo, como na Polónia, Turquia, Brasil, Espanha… e onde tenho caricaturistas amigos. Além disso sou o único que trabalha frequentemente a 10.000 metros de altitude».

Infelizmente, nos últimos anos a sua evolução deu para copiar a escola de Levine, do António, onde ainda não conseguiu encontrar uma identificação própria do seu traço, ou seja renegando um traço onde tinha conseguido uma qualidade especial que se tem perdido nos trabalhos durante a democracia.

Aniceto Carmona, não sendo uma estrela resplandecente na actual caricatura portuguesa, é um artista a não esquecer pelo seu trabalho de divulgação, pela sua paixão pela caricatura e naturalmente pela sua própria obra.


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