Saturday, February 16, 2019

História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1916 por Osvaldo Macedo de Sousa


1916

A exposição do grupo de "Os Fantasistas" inaugurou a 5 de Janeiro de 1916, onde tiveram uma participação recorde de 40 artistas. Instalados no Palácio da Bolsa, mais uma vez introduzirão a irreverência nos lugares de culto da burguesia. Essa seria talvez a maior ousadia, já que os artistas verdadeiramente de vanguarda, como é o caso de Almada, Soares, Barradas... os considerava pouco modernistas e não participarão.
Christiano Cruz não participará contra sua vontade. Numa carta a Leal da Câmara, informa-o que não poderia enviar trabalhos novos, contudo como ainda estavam no Porto alguns dos seus trabalhos expostos nos Modernistas, pedia-lhe para os ir buscar à casa do amigo, onde se encontravam. Não sabemos porque é que não foi.
Organizada por um Humorista, este novo Salão corta o cordão umbilical com as exposições dos Humoristas, já que não estará presente nenhum dos fundadores da Sociedade, nem os indefectíveis referidos anteriormente.
Curiosamente um dos fundadores destes Fantasistas, amigo muito próximo de Leal da Câmara, o Dr. Manuel Monterroso, apesar de aparecer no esboço do cartaz o seu nome, não estará presente com obras (tinha acabado de ser mobilizado, por causa da guerra). Este artista, inclusive, nunca participará em qualquer Salão, apesar de aparecer em quase todos os jantares de homenagem, desde os tempos de Raphael.
A crítica voltará a atacar as “extravagâncias”, e a “feição essencialmente cosmopolita” de alguma obras. Leal da Câmara, Diogo de Macedo e Armando de Bastos farão conferências várias sobre o Humorismo e o Modernismo.
Quanto ao jornal, “O Miau” (um desejo não cumprido pela Sociedade dos Humoristas, aqui realizado) não teve longa vida, mais pelas dificuldades económicas referentes ao período de guerra, que à aceitação do público. Dirigido pelo Leal da Câmara, Guedes de Oliveira e Manuel Monterroso, apresentaria algumas belas páginas do nosso humor, assim como muita colaboração dos amigos franceses de Leal da Câmara. Curiosamente é a recuperação de um título de um jornal que Leal da Câmara tinha idealizado em 1899, com o seu amigo Sancha, em Madrid, como mais uma formula de sobreviver no exílio.
A existência de "Os Fantasistas", foi mais uma fantasia, já que de novo não se conseguiu concretizar o projecto global, e viveu fundamentalmente como uma tertúlia. Como escreverá Aquilino Ribeiro na biografia de Leal da Câmara “... ao tempo havia no Porto uma patuleia de homens inteligentes, meia boémia, meia dada às letras e artes, funcionários públicos, jornalistas, poetas, ociosos vivendo não se sabia bem de que rendas, uma espécie de sobrevivência do tempo que era agradável frequentar. /.../ Leal da Câmara, que se tornara o fulcro desta pequena sociedade de boa e má língua, aproveitava as ocasiões pelo melhor. Sob o seu estímulo fundou-se e medrou no Porto, composto de nóveis artistas, cheio de intenções, e dos artistas velhos em que estuava ainda a seiva primaveril, o Grupo dos Fantasistas”. Sobreviveu enquanto Leal da Câmara se manteve na cidade do Porto. Com o seu regresso em 1919 para Lisboa, o grupo dispersou-se. Um grupo que acabou por não ser de Humoristas, apesar de contar com alguns, e incluírem no seu projecto um jornal humorístico.
Entretanto os Salões do Porto perdem a designação de Humoristas, para ficarem apenas Modernistas (sem contudo o desaparecimento do humorismo). Nesse mesmo ano de 1916 (a 7 de Maio) inaugura o II Salão dos Modernistas, em que a maioria são os mesmos participantes da exposição de "Os Fantasistas" , com o acréscimo de humoristas importantes como Christiano, Soares e Luíz Filipe (na sua única participação em Salões). De todas as formas por detrás destas iniciativas dos Modernistas do Porto nunca esteve a dita Sociedade de Humoristas Portugueses, nem havia intuitos corporativos por detrás, como tinha acontecido em Lisboa.
Luíz Filipe "exilado" no Norte foi cortando a sua ligação com a aventura modernista, e estará presente este ano no Porto, creio que por influência e insistência de Couto Viana, a viver perto dele, e em cuja tertúlia mantinha acesa a chama artística.
Figura de destaque nos Fantasistas, e no jornal do grupo, "Miau" foi Armando de Bastos, que se tornará fundamentalmente conhecido pela sua obra pictórica, dentro da corrente modernista, mas que teve uma acção significativa no humor de imprensa. Natural do Porto (1889), viria a morrer em Braga em 1923 com apenas 34 anos
Armando Pereira de Basto estudou na Academia Portuguesa de Belas Artes do Porto, sem ter terminado os Cursos de Desenho ou de Arquitectura. Diogo de Macedo, in "Cadernos de Arte" nº9, descreve-o desta forma: Armando de Basto, que morreu muito novo, com 34 anos, era de temperamento alegre e despreocupado, mas que de tão sensível não era feliz. Precocemente esperto, guardara pela vida além certa infantilidade dessa esperteza. Os seus desesperos, contudo, eram mais fugazes do que os seus contentamentos. /…/ Gostava de fazer partidas, de se intrometer nas conversas dos graúdos a quem procurava danos com o seu feitio de azougado e, porque se não calava nem se submetia, foi alcunhado de "Mata Moscas".
/…/ Persistia em ser folião, cábula, palrador e, como novidade, fazia caricaturas. /…/ O primeiro jornal que editou chamava-se "Lúcifer", e o primeiro álbum de desenhos onde colegas e amigos podiam encher uma página, que ele comentava com maliciosas notas, fora o "Escarrador".
Levara anos a chegar a meio do curso, que não completara. A mania da caricatura prejudicara-o nos estudos; e a tendência deambulatória aumentara-lhe a cabulice. Admirava Raphael Bordallo, estimava Celso Hermínio, apreciava Cristiano de Carvalho e, por último, Leal da Câmara; mas também conhecia os humoristas franceses e alemães, fugindo às influências de todos, para defender a sua personalidade. Consoante as posses editoriais e os ventos da sua leviandade no prosseguimento das iniciativas, lançara aos pregões da rua e aos escaparates dos quiosques uma série de jornais satíricos; "O Careca", "O Monóculo", "A Corja", "A Folia", onde algumas páginas foram de sensação. Por revistas e periódicos distribuiu outros desenhos ("A Algazarra" - 1906; "O Riso", "O Gaiato", "Calino", "Ideia Livre" (1911/16), "A Águia" (1913))
Em 1910 realiza uma exposição de caricaturas no Porto, seguindo depois para Paris, onde foi procurar os novos ventos estéticos, os mestres que não encontrava em Portugal. Também aqui o humor terá lugar na sua obra, mais não seja como forma de sobrevivência económica, colaborando no "Pages Folles", "Bonnets Rouge", sob o seu nome, assinando com A dentro de um quadrado, ou com o pseudónimo Boulemiche… participando no "Salon des Humoristes", no "Salon de Ostende"… fez ilustração, cartazes…fez amigos, viveu a boémia da Cité Falguière, descobrindo os segredos da pintura, mas a guerra rebentara em 1914, e mesmo sendo um dos últimos a abandonar a capital das artes, teve por fim que regressar ao país em 1915. Participa no Salão dos Modernistas, como no dos Fantasistas, dedicando-se fundamentalmente à pintura, ficando o desenho de humor como meras colaborações em "O Miau" (1916), "A Crónica" (Braga 1923).
Participaria na exposição organizada por Leal da Câmara "Arte e Guerra" (1917), assim como nas diversas manifestações dos modernistas de 1919 e 1920.
Os seus últimos anos foram dedicados à pintura, à decoração, e à Arquitectura, mas as suas últimas colaborações humorísticas também datam desse ano de 1923, e foram publicadas em Braga no jornal "A Crónica".
Como referi anteriormente, o Dr. Manuel Monterroso não teve participação na exposição dos "Fantasistas", e a razão, creio, foi porque entretanto foi mobilizado para partir para a guerra, em França. A Alemanha a 9 de Março tinha declarado guerra a Portugal. O primeiro contingente  parte para França em Janeiro de 17. Em África já tinha sido reforçada a nossa presença militar.
Diversos foram os caricaturistas que foram mobilizados, e partiram para a frente de batalha (seja para França, ou África), integrados no C.E.P. (Corpo Expedicionário Português). São o caso de Christiano Cruz, António Soares, Manuel Monterroso… e de caricaturistas que acabaram por seguir carreira militar como João Menezes Ferreira, José Brusco Júnior, António Balha e Melo, Arnaldo Ressano Garcia… Destes, tanto Christiano como e Balha e Melo e António Soares  farão obra sobre estas vivências, mas mais num tom dramático, ou plástico. O que viverá mais profundamente a guerra, de uma forma satírica, e pictórica será João Menezes Ferreira que realizará diversas exposições, e inclusive conferências sobre a Guerra.
A nossa presença foi dramática, já que servimos muitas das vezes como carne para canhão, escudando-se os exércitos ingleses e franceses com a nossa inexperiência, morrendo muitos dos nossos soldados. Contudo, o português de bons costumes até ria para a morte, como o testemunha o Major Mário Affonso de Carvalho, que publicará em 1944 o livro "O Bom Humor no C.E.P.", com capa de Leal da Câmara..
O "Intróito" do livro, explica-nos: O humor, como todos sabem, é uma disposição do espírito.
Esta disposição do espírito pode ser boa ou má e assim se diz, que um indivíduo está de bom humor ou de mau humor.
O bom humor quási sempre se manifesta pela alegria e pelos ditos espirituosos, que constituem muitas vezes no indivíduo um dom natural.
O mau humor é muito contagioso, por isso deve-se fugir a sete pés das pessoas mal humoradas.
Propuz-me dizer algumas coisas sobre o humor dos nossos soldados na Grande Guerra em França (1917 - 1918), para demonstrar, que os Portugueses nem mesmo diante da morte, que os espreitava a cada momento, abandonavam a sua boa disposição de espírito.
/…/ O bom humor na guerra em França, manifestou-se sob as duas formas: a poética e a prosaica.
Na poética deveras avultada, aparecem-nos producções de toda a espécie desde a simples quadra de pé coxo do soldado anonymo até à poesia d'um lirismo admirável do capitão André Brun escriptor e humorista distinto de tão saudosa memoria.
Em todas elas porêm se observar o humor, que sempre e através de todas as agruras da guerra acompanhou essa gloriosa malta e muitas reçumam verdades muito embora mordazes.
Em Portugal, o espírito é que não era muito humorístico, com a implantação formal da censura, assim como as crescentes dificuldades de conseguir viveres, sem senhas de racionamento.


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