Wednesday, February 15, 2017
Dia 20 de Fevereiro de 2017, pelas 18h inaugura no espaço Atmosfera M do Porto a V Bienal de Humor Luis d'Oliveira Guimarães Espinhal / Penela 2016
Uma selecção dos trabalhos apresentados para a V Bienal de Humor Luis d'Oliveira Guimarães - Do Mel ao Ferrão - Espinhal / Penela 2016 estará patente ao publico até final de Março no Espaço Amosfera M do Porto. è uma viagem humoristica pela alegoria do Mel / Abelha Ferrão - Cartoonista / Sátira, ao mesmo tempo que uma homenagem aos cartoonistas que pelo mundo tem lutado pewla liberdade de expressão e pensamento, em que alguns deles sofrem perseguições, a prisão ou mesmo a morte. Uma produção Humorgrafe
V
Bienal de Humor Luíz d’Oliveira Guimarães Espinhal - Penela 2016"DO
MEL AO FERRÃO"
Por:
Osvaldo Macedo de Sousa
"O humorismo representa a mais sã
de todas as filosofias, que é a dos que sabem rir. O humorista comentando
através da sua ironia os homens e os factos que gravitam á sua volta, produz,
quando o faz com o espirito superior e critério conceituoso, uma profunda obra
moral. Por isso mesmo a alegria dos humoristas nem sempre deixa de se
ilusória. Quantas vezes a pequena
máscara cor-de-rosa que eles ostentam sobre a face, esconde uma lágrima
pungente! A ironia que se desprende da sua "verve" sagaz encobre, de
certo modo, o drama que o mundo oferece dia-a-dia. Ao seu comentário
flagrante." (LOG. In "Entre nós que ninguém nos ouve" pág. 68)
O que une a abelha e o cartoonista, o
espírito do mel ou a sátira do ferrão? Como em tudo na vida, depende da
perspetiva de cada um e, se a verdade nunca está de um lado nem no do outro, e
muito menos no centro mas na essência dos seres, das coisas, das relações, as
minhas deambulações metafóricas por este tema não passam de muletas, divagações
do pensamento, portas para cada um seguir o seu caminho de reflexão humorística
no tópico selecionado para esta Bienal, concordando ou discordando totalmente
do que está escrito.
A abelha, ou a apicultura, com a
exploração de todos os derivados inerentes à actividade deste insecto, está
ligada ao Homem, desde que este tomou consciência do seu espírito, energia essa
que também lhe abriu a mente para conseguir olhar o mundo afora das aparências,
consciencializar-se para além do espelho, pensar ademais da neblina das
palavras e das perspectivas.
Graficamente encontramos as suas
primeiras representações por volta de 7.000 a.C., em pinturas rupestres de
Araña - Valência. No Antigo Egipto (a partir de 3.200 a.C.) está associada à
realeza faraónica, agregadora numa única colmeia - federação de todas as
regiões do Egipto: o verdadeiro título do Faraó era NyswBit, onde Bit significa
Abelha e é o símbolo do baixo Egipto. Segundo a sua mitologia, Bit foi gerada
das lágrimas de Rá (o deus-sol) ao caírem sobre a terra, impondo-se como um ser
de múltiplas riquezas e características terapêuticas, ao mesmo tempo que assume
a iconografia da alma Divina do ser humano.
Esta ligação espiritual surge em quase
todas as culturas da antiguidade, representando, muitas das vezes, a crença da
sobrevivência além-morte, da ressurreição / reencarnação. Esta ilação ao
caminho da evolução da alma leva a que tenha sido associada a cerimónias
iniciáticas, em que o Espírito / Palavra (em hebraico "abelha"
escreve-se "Dbure", cuja raiz Dbr significa verbo / palavra) se purifica
pelo fogo, se nutre com o mel (o hidromel é a bebida dos deuses) e que destrói
as impurezas / obstáculos com o seu ferrão.
Também o cristianismo absorveu este
universo alegórico em que Jesus assume a imagem da abelha e o mel é a doçura da
sua palavra / pensamento como alimento das almas e o ferrão o papel de Cristo
Justiceiro. Quanto ao Islão, encontramos na Surata 16 : "E teu Senhor
inspirou as abelhas: «Construí as vossas colmeias nas montanhas, nas arvores e
nas habitações» /… Do abdómen delas sai um líquido variegado de cores que
constitui cura para os homens. Nisto há sinal para os que reflectem." A
abelha, nos textos védicos da India, representa o espirito que se embriaga com
o pólen do conhecimento. Resumidamente, nesta breve divagação nas espiritualidades,
a abelha representa o espírito versus a materialidade, a geometria (divina)
contra a ignorância, a ordem social contra a desordem.
Passando de novo ao tema da Bienal,
poder-se-á dizer que no princípio é o "pólen" que no caso do
humorista é a notícia, o quotidiano que é colhido pelo obreiro, e se na abelha
esse néctar é processado pelos enzimas digestivos, no cartoonista é deglutido
pelo olhar filosófico do humor, desconstruindo o supérfluo para regurgitar em
ironia, comicidade ou mesmo sátira. Tal como o mel, nem todos os humores têm a
mesma cor, nem todos riem da mesma forma, nem dos mesmos assuntos, por muito
que queiramos impôr a aldeia global para todos os seres, coisas e pensamentos.
Consoante os campos, as florações, os pólens recolhidos e as técnicas de
preparação, há várias colorações, aromas e gostos no mel. O riso, mesmo
universal como a luz divina no reconhecimento das fragilidades humanas, é
encarado ou reage em cada cultura e em cada zona geográfica, em cada campo
educacional de forma diferenciada. O riso, o cómico, o humor, é fruto dos
pólens recolhidos que, consoante os seus tratamentos, pode ter espaço de
degustação num território e não noutro. Claro que, como o mel que quando é
puro, com o tempo tende a cristalizar, já que não foi sujeito a temperaturas
que destroem o seu lado bactericida, também o humor puro se cristaliza no tempo
e, por mais anos que passem, por mais voltas que a vida dê, está sempre actual,
incisivo e actuante.
A abelha é um animal social, símbolo de
trabalho e lealdade, mas também um guerreiro na defesa da comunidade, quando se
sente ameaçada, usando o seu ferrão. Da mesma forma, o humor é uma fórmula de
pensamento doce que nos faz quebrar barreiras de sociabilidade, combater o
pessimismo, diluir as tristezas, construindo equilíbrio social pelo sorriso
filosófico, podendo contudo farpear, quando o político, as intolerâncias, os
abusos do poder colocam a comunidade em perigo.
O ferrão da abelha / humorista está
ligado a um sistema venoso que provoca um efeito alérgico, gravidade que está
dependente do sistema imunológico. No caso da sátira, o padrão de reacção à
toxicidade está concomitante ao grau educacional da vítima, ao nível do seu
sentido de humor, capacidade de autocrítica, surdez, cegueira ou intolerância
mental. Já o filósofo grego Epicetus tinha dito: "Não são os eventos do
mundo que são o problema, mas a nossa forma de olhar para eles". Tal como
a tolerância ou intolerância, o sentido de humor tem de jorrar de ambas as
partes.
Há muitas formas de olhar e de não
querer ver e, neste momento em que vivemos um grave deslocamento de povos, de
migrações, em que as necessidades, por vezes, se misturam com oportunismos,
mafias, fundamentalismos, em que a tolerância joga com outras intolerâncias, a
alegoria da abelha é uma das formas de olhar para esse fenómeno porque também
ela, como a humanidade, está num período de crise grave. Como refere Einstein:
"Se as abelhas desaparecerem da face da terra, a humanidade terá apenas
mais quatro anos de existência, sem abelhas não há polinização (ela é
responsável por 80 a 90% deste fenómeno natural), não há reprodução da flora,
sem flora não há animais, sem animais não haverá raça humana". O
equilíbrio da biodiversidade, tal como do multiculturismo é fundamental. O que
coloca em perigo este ser? As políticas de pesticidas, a sobrepopulação de
apicultura (que recomenda 800 metros entre cada apiário), que cria guerras
entre colmeias e migrações, a doença parasitária Varroose, a vespa Velutina
Nigo-torax…. Comparativamente, podemos referir que também as políticas de
opressão destroem a liberdade de expressão humorística, que a doença
parasitária do "politicamente correcto" asfixia a mente filosófica e
a vespa do terrorismo mata a criatividade. A vespa para além de cortar a cabeça
das abelhas, instala-se à porta das colmeias infestando esta com stress, com o
medo de saírem à rua e morrerem de fome…
O mel é um dos alimentos do corpo com
maior valor energético, rico em vitaminas, minerais e bactericida, o que lhe
confere alto poder terapêutico (tal como outros produtos ligados às abelhas),
cumplicidade que mantém com o humor. A "apiterapia" como a
"geloterapia", são medicinas alternativas fundamentais porque o riso,
subproduto do humor, quando "explode" exerce o seu impacto no sistema
muscular, nervoso central, respiratório, cardiovascular, imunológico e
endócrino….
O que separa a abelha do cartoonista? O
mel é consumido por todos, sem observar as religiões, os clubismos, os
partidarismos distribuindo a sua riqueza democraticamente, assim como o seu
ferrão é usado apenas quando a segurança da colmeia é posta em causa. Já a
comicidade tem componentes subjectivas, porque o ser humano é falí-vel, e por
muito filósofo que queira ser no seu humor construtivo, a desconstrução dos
factos, que nem sempre são globais mas parciais, pode induzir a erros, as
facciosismos, e isso só se cria com a verdadeira liberdade de espírito, estando
acima das tolerâncias e intolerâncias, ser superior às ideologias e crenças,
ser democrata no sentido de reconhecer e aceitar as diferenças, assim como
obrigar a que reconheçam e aceitem a sua diferença. Não há melhor critica,
filosofia construtiva, ou comicidade que a que é feita pelo sorriso.
"/…/
O sorriso é o bom tempo do espírito. As almas que apenas sabem
rir e soluçar são almas que têm apenas Verão e
Inverno.
Falta-lhes
a Primavera e Outono - que são na verdade,
as duas estações sorridentes da Natureza"
(LOG
in "Fim de Semana" de 15/3/1948)
Por tudo isto podemos dizer "Sigam
a Abelha", a qual, se é um barómetro do equilíbrio dos sistemas
ecológicos, também o humor é o barógrafo de alerta da sanidade mental da
sociedade, do equilíbrio democrático do poder, razão pela qual ambos têm de ser
protegidos para que não sejamos uma humanidade em vias de extinção.
Toda a gente conhece a alegoria da
formiga e da cigarra, mas ninguém fala da abelha humorista, esse ser que com o
pólen das notícias e do quotidiano faz o mel da nossa existência mas, que com o
seu ferrão, quando necessário também pica os males da sociedade, os
fundamentalismos, as ditaduras. Convidamos os artistas de todo o mundo a
filosofarem sobre o papel do humorista / cartoonista e, paralelamente, o papel
da abelha / mel (e demais derivados) na nossa sociedade. Não nos podemos
esquecer das alergias que se têm desenvolvido contra o ferrão da sátira /
ironia, o medo da vespa terrorista que tem matado, perseguido e oprimido os
filósofos da liberdade e da actualidade que vive um momento importante no jogo
das tolerâncias e intolerâncias. Não nos esqueçamos que a integração só resulta
quando o outro também se integra, tolerância exige tolerância, intolerância
cria intolerância. Não nos podemos esquecer que na defesa do direito à
liberdade de pensamento e expressão, ao humor foram assassinados, para além dos
mundialmente conhecidos caricaturistas franceses do "Charlie Hebdo" -
Charb, Cabu, Tignous, Honoré e Georges Wolinski, de referir nos últimos dez
anos de Prageeth Eknaligoda (Sri Lanka), Akram Raslam (Síria).
Pela prisão tem passado os argelinos Ali
Dilem e Tahar Djehiche; os iranianos Mana Neyestani, Hadi Heidari e Atena
Farghadani; os sírios Ali Ferzat e Chahim Barzanji, os indianos Harish Yadav
(Mussveer) e Aseem Trivedi, o marroquino Walid Bahomane, os turcos Mehmet
Duzenli e Musa Kart; o chinês Jiang Yefei na Tailandia (entretanto desaparecido
aquando da sua deportação para a China); o egípcio Magdy El Shafel, o
palestiano Mohamed Sabaaneh; o tailandês Sai - Sakda Sae Lao; o malaio Zunar -
Zulkiflee Anwar Alhaque…
Entre muitos casos pouco conhecidos ou
que saltaram para o co-nhecimento publico como as perseguições censorias ou
despedimentos dos equatoriano Bonil e Vilma Vargas; na venezuela Rayma Supremi;
a proibição de publicar no seu país (Mikhail Zlatkovsky - Rússia); os que tem
de viver sob protecção policial (Lars Vilks - Suécia, Molly Norris - USA, Kurt
Westergaard - Dinamarca)… Não esquecendo o sub-reptício desaparecimento do
humor gráfico na imprensa portuguesa e de muitos outros países.
"Aquilo
de que me acusam não está
no
desenho, mas na vossa consciência."
Philipon
(séc. XIX)