Tuesday, January 06, 2009

Historia da Caricatura em Portugal - 1888 (Julião Felix Machado)

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

Em 1888, no Porto vamos verificar a ressurreição de "O Sorvete", pois que Sanhudo, tal como Raphael já não conseguia estar longe do seu público, impossibilitado de dar o seu toque satírico à sociedade. Esta segunda série será mais breve e terminará no mesmo ano a 23 de Dezembro, mas ...
Encontramos também ''A Cavaqueira Política" onde Almeida e Silva deu novo ar da sua graça, assim como "O Palito" com trabalhos de um tal Menezes e A. Nunes. Em Lisboa também se faziam maus jornais como "O Nabo", e bons como a "Comédia Portuguesa", onde reencontramos Julião Machado. Um artista e um jornal que merecem referência.
Julião Felix Machado nasceu a 19 de Junho de 1863 em S. Paulo de Luanda (capital da colónia angolana), filho de abastados negociantes de origem açoriana, será enviado para a metrópole pelos seus pais com o intuito de fazer os estudos adequados. Irá primeiro para Coimbra passando depois para Lisboa, só que o seu espírito irreverente e satírico, levá-lo-à mais para a boémia que para os estudos. É colocado então à frente de negócios familiares, só que as suas irreverências, os desenhos misturados nos livros da contabilidade obrigaram a família a aceitar que ele não estava fadado para o Comércio.
Será membro activo da boémia lisboeta, frequentando o Grupo do Leão, onde confraterniza com os intelectuais, os artistas do teatro e das artes plásticas. Como recordará Armando Boaventura, alentado moço de tez morena, farta cabeleira negra, sorriso franco, gestos sacudidos e a inseparável lavalliêre, foi o novo camarada que surgiu nas tertúlias da boémia artística e literária, onde pontificavam Fialho d' Almeida e Marcelino Mesquita e o célebre "Grupo do Leão d'Ouro", como Columbano, Raphael Bordallo Pinheiro, Manuel Gustavo, António Ramalho, João Vaz e outros. Os seus desenhos começaram a ser publicados. As suas caricaturas, de traço forte, vigoroso, afirmam-no mais um caricaturista - e algumas ilustraram os jornais da época, inclusive Pontos nos ü, do grande Raphael Bordallo. Iniciar-se-ia nas artes como discípulo de José Malhoa, frequentando a sua classe de Desenho, e virá a desenvolver esses estudos em Paris no atelier de Cormon entre 92 e 95. Contudo nessa boémia artística haverá um outro mestre que o influenciará, ou seja Raphael, como seu admirador, tentará ser um seu discípulo na sátira; contudo preferia "uma visão do humorismo menos caricatural e contundente", o que o afastará do Mestre.
José Simões Coelho, num artigo na Ilustração Portuguesa de 1/9/1913, recorda-o desta forma: «J.M. tem sido, e é, dos caricaturistas portugueses, o mais filósofo e, quiçá, o mais literato de todos. É um intelectual cultíssimo; analista profundo - da sociedade em que vive.
Depois de ter estudado desenho com o extraordinário pintor que é José Malhoa, de quem adquiriu a firmeza do traço. o academismo das atitudes nobres que, por vezes, lhe saem do lápis purificador, Julião Machado abalou do Porto para Paris ... »
Neste mesmo artigo, JSC transcreve uma carta que o artista lhe endereçou, e onde se pode descobrir a sua filosofia estético-caricatural - «evito quanto possível a caricatura pessoal. Julgo-a abusiva e sem elevação. Não compreendo factos ou idéas em indivíduos que - em geral - nem as representam! Por isso procuro retirar dos assuntos o lado individual e generalisal-os tanto quanto me é possível. Mais adiante acrescenta - Se aceitarmos como clássicas as fórmulas de que se serviram os primeiros mestres, - penso que a caricatura de hoje é menos a justificação do famoso «ridendo» .. que a afirmação de uma crítica mais fria, ou menos ingénua. A caricatura contemporânea ocupa-se menos de fazer rir. Prefere fazer «sorrir». O sorriso é mais inteligente do que o riso. Só a gente sabe sorrir com ironia. A gargalhada é, decerto, mais sadia, mas é também frequentemente simplória.»
«/.../ A ideia que faço da caricatura opõe-se a que eu acredite na existência de caricaturistas políticos. Permita-me, pois, que não me detenha na classificação de «caricaturistas anti-políticos», porque a meu ver todos o são. Na sua expressão verdadeiramente nobre, a caricatura é uma arena da inde­pendência, ao serviço da Verdade contra a Mentira sempre disforme e ridícula. O político - que é o que mais ambiciona a popularidade, porque é o que mais necessita d'ela - não pode ser indepen­dente e, portanto, não pode ser verdadeiro.»
Em entrevista (perdi a indicação de onde tirei esta transcrição) a um jornal ele dirá: «Na sua expressão verdadeiramente nobre, a caricatura é um arma da independência, ao serviço da verdade contra a mentira sempre disforme e ridícula. O papel do caricaturista na política, longe de a servir, é o de a revelar, de a exibir sem mascara, de a desnudar ... Não conheço 'escolas' da caricatura. Ela é a arte dos rebeldes.»
Apesar de se considerar independente de escolas, poder-se-á inclui-lo no grupo dos raphaelistas, só que o seu traço procurava desligar-se do barroquismo, para uma síntese mais decorativa, procurava a elegância um pouco "arte nova". De desenho minucioso, explorando o decorativismo gráfico, o humor, ou o exagero caricatural, encontra-se mais na legenda que propriamente no desenho.
Os seus primeiros trabalhos surgem no jornal "O Diabo Coxo" de 1886, assim como na "Revista Ilustrada" de 1887. Em Outubro de 1888, aproveitando o súbito enriquecimento, pela herança por morte de seu pai, funda a revista "Comédia Portuguesa" (de que será Director Artístico), com Marcelino Mesquita, Silva Lisboa e Fialho de Almeida, que tem como ideal as revistas ilustradas de luxo de Paris. Aqui vão procurar desenvolver a elegância decorativa, vão procurar cativar a alta sociedade, 'afrancesando-a', educando-a com humor. Era uma experiência um pouco extravagante, neste país provinciano, onde o analfabetismo predominava, onde os mais simples periódicos tinham dificuldades de sobrevivência. Esta revista, com papel de qualidade, boas ilustrações, temas um pouco elitistas, naturalmente não pôde sobreviver muito tempo, ou seja, conseguiu-o durante um ano. Mas será uma marca, com diversas tentativas posteriores de recuperação, e modelo para uma revista que será também ela uma referência jornalística, a "Ilustração Portuguesa" (mais comedida à dimensão nacional).
Fará ilustração para livros e capas. Em 1888 publica em "O Diário Ilustrado", em 89 em “Gazeta de São Carlos", em 90 encontramos alguns trabalhos caricaturais nos "Pontos nos ii" de Raphael, e em “Baixa" (de que era Director artístico) no ano de 1891. A caricatura política é suplantada pela crónica social em Julião Machado, preferindo caricaturar os acontecimentos às pessoas, e não havia espaço em Portugal para esse género de trabalho.
Sentindo-se limitado, não conseguindo impor os seus sonhos editoriais, sentindo necessidade de desenvolver os seus campos estéticos parte para Paris à procura... Procura fixar-se aí, e ganhar a vida como caricaturista. Não o consegue, e acabando o pecúlio da herança, opta então por emigrar para a Argentina, onde lhe sorriem com um mundo por explorar, e onde se podia ganhar bom dinheiro. Mas, uma escala do navio no Rio de Janeiro alterou o rumo da sua vida. Contactado pelo meio jornalístico, foi-lhe oferecido lugar de destaque, e aí se fixou, e onde finalmente verá o seu trabalho reconhecido. No Brasil será mesmo considerado um renovador gráfico.
Muitos dos seus trabalhos do Brasil (publicados na "Gazeta de Notícias", “Bruxa", "O Jornal do Brasil", "O País", “Cigarra", "O Mercúrio".) serão editados também no "Courrier Europeen", no "Dasécho" de Berlim, assim como em jornais italianos e franceses. Como diz a História da Caricatura Brasileira, Julião trazia para a imprensa carioca, simultaneamente com os novos recursos da arte gráfica europeia, a fascinação que lhe deixara nos ateliers das margens do Sena a espiritualidade do moderno desenho humorístico, iluminado pela legenda subtil e irónica, despertando a mais fecunda emulação entre os artistas jovens do Brasil.
Numa alegoria publicada em "O Jornal do Brasil" Julião deixa-nos mais uma das suas definições sobre Caricatura - «A Caricatura, ó intolerantes, é uma válvula de segurança por onde o excesso de amargura dos homens se esgota em sorrisos. O SORRIR É DE TODOS, e quem sorri - repousa ... E eu poria de boa vontade: e quem sorri - perdoa. »
Em 1905 regressará a Portugal, mas as suas obras já se podiam encontrar desde 1903 na "Ilustração Portuguesa", e desde 1904 no "Jornal Brasil-Portugal", mas em dois anos verifica que continuava a não ter condições de trabalho aqui. Regressa ao Brasil, para só em 1920 voltar definitivamente. Entretanto envia trabalhos para "O Século" (1916), e em 1924 colabora com o "Comércio do Porto Ilustrado". Nesta última década de vida (morre a 1/9/1930) em Portugal, para além de ilustração, dedica grande parte do seu tempo a ilustrar "Os Lusíadas", cujo trabalho ficou incompleto, faltando-lhe o penúltimo canto do poema (recentemente foi editada esta obra).
Julião Machado, para além de caricaturista e ilustrador de jornais e livros, fez jornalismo escrito, ex-libris, cenografia, escreveu diversas Comédias Dramáticas
Neste ano de 88, aconteceu um caso muito interessante, ou seja o confronto entre dois satíricos: Almeida e Silva e Raphael. Tudo começou pela nova paixão de Raphael, a Cerâmica. Emídio Navarro, enquanto Ministro da Indústria apoiou a Fábrica de Cerâmica das Caldas, assim como outras indústrias portuguesas, e Raphael estava-lhe grato. Em 1888 surge a questão Hersant no porto de Lisboa e o Ministro Emídio Navarro foi o bode expiatório, 6 que não agradou a Raphael que o defendeu no seu jornal. Isso desagradou aos oposicionistas intransigentes do regime, nem a certo meio jornalístico que não gostava da forma como Rraphael atacava gregos e troianos. Por outro lado havia um mal estar em "O Charivari", que era acusado, com fundamento, de plagiar os grafismos, e por vezes as próprias sátiras; então aproveitaram este facto para atacar o Mestre, acusando-o de ter dois pesos e duas medidas, defendendo os amigos e atacando os outros. Daí resultou uma série de trocas de 'insultos', e onde Raphael naturalmente foi um diplomata, e Almeida e Silva criou as suas melhores páginas gráficas, com originalidade, mas descendo ao nível da peixeirada satírica. O próprio se arrependeria muitas vezes dessa atitude. Temos um relato de Francisco Valença, que nos descreve a postura sempre correcta de Raphael: '«A propósito da campanha contra Rafael Bordallo, lembro-me de lhe ter ouvido isto: Pouco depois da refrega veio Almeida e Silva a Lisboa e por qualquer motivo, precisou de ir à tipografia do Lallemant, na rua então chamada do Tesouro Velho. Quem havia de lá estar também? O Rafael. Dão de cara um com o outro. Almeida e Silva estaca e pensa: Bonito! É agora! O Bordalo vai increpar-me, e daqui a pouco estamos ambos engalfinhados. Mas qual história: Rafael dirige-se-Ihe, mas apenas disse: - Ah! Silva! Você moeu-me! Você moeu-me bem!»
«E nada mais acrescentou. Um tanto confundido, Almeida e Silva - muito mais novo que o antagonista, respondeu-lhe com palavras cortezes e, regressado ao Porto, publicou a página de homenagem a Bordalo intitulada ''Abaixo o ídolo! Viva o artista!" »
Na política nacional duas questões são o centro das atenções, ou seja a do deficit, e o crescente empenhamento à Banca, em que Henrique Burnay surge como símbolo desse poder oculto, o poder monetário que tudo manipula, e que monopoliza. A outra questão é a Conferência de Berlim, em que o princípio acordado de que «a ocupação efectiva substituía os direitos históricos /..../ e que /.../ o direito de soberania na África só pode ser mantido pela efectiva ocupação do território reclamado», o que punha em causa os nossos territórios coloniais.

Friday, January 02, 2009

Revista Sacapuntas # 019: PDF

http://www.a-d-a.com.ar/descargas/sacapuntas019.pdf

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